A prova traduz a atividade realizada em processo tendente à formação da convicção do tribunal sobre a realidade dos factos controvertidos (artigo 341.º Código Civil), por forma a estabelecer uma correspondência entre o que é afirmado e a realidade factual.
O direito à prova significa que as partes conflituantes, por via de ação e da defesa, têm o direito a utilizarem a prova em seu benefício e como fundamento dos interesses e das pretensões que planteiam em tribunal. Este direito emana da necessidade de se garantir ao cidadão a adequada participação no processo e de assegurar a capacidade de influenciar o conteúdo da decisão, dado que qualquer decisão sobre o mérito da causa pressupõe a apreciação de factos concretos, muitos deles controvertidos, implicando a produção de prova no momento da sua alegação, cabendo depois ao julgador a sua valoração para fundamentar a decisão a proferir.
A consagração constitucional do direito a um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa) envolve a opção por um processo justo em cada uma das suas fases, constituindo o direito fundamental à prova uma das dimensões em que aquele se concretiza.
Todavia, o direito à prova não é ilimitado, não podendo ser tomado como um direito absoluto na sua essência, e por isso, em muitos casos, terá de sofrer restrições, cabendo ao Juiz o controlo da admissibilidade dos meios de prova, quer das provas pré-constituídas, quer das provas constituendas, devendo ser facultado à parte o contraditório quanto a tal admissibilidade – cfr. artigo 415.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Isto leva-nos à questão das provas obtidas em violação de determinados direitos, liberdades e garantias, por exemplo com recurso à intromissão na correspondência ou na vida privada, as quais são nulas, nos termos do art. 32.º da Constituição da República Portuguesa. A ilicitude da prova deve ser aferida em três momentos: (i) aquando da obtenção da prova; (ii) aquando da produção da prova e (iii) aquando da valoração dessa prova.
Em Acórdão de 28.06.2024, o Tribunal da Relação de Coimbra foi chamado a pronunciar-se sobre uma questão de admissibilidade de prova obtida ilicitamente por uma trabalhadora que demandou a sua ex-entidade empregadora numa ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento. A questão de fundo prendia-se em apreciar a licitude da prova que a trabalhadora juntou ao processo, vários documentos, nomeadamente e-mails, diversa informação contabilística da empresa, faturas e conversas de WhastsApp entre colegas e chefias, para prova da sua pretensão.
Alegou a entidade empregadora que as comunicações de e-mails e documentação da empresa juntas pela trabalhadora, foram obtidas de modo fraudulento, mediante intromissão ilícita nas comunicações da empresa, em data posterior à sua suspensão de funções, data a partir da qual lhe era proibido o acesso a qualquer endereço eletrónico da empresa, mesmo àquele que ela própria utilizava no âmbito de desempenho da sua atividade profissional. Pugnava a entidade empregadora, à final, pela ilicitude da referida prova junta pela trabalhadora, com o consequente desentranhamento do processo.
Considerou o Colendo Tribunal da Relação, na sua fundamentação, que o sistema jurídico português consagra diversas normas sobre o direito à reserva da intimidade da vida privada, sobre o direito ao sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação, bem como a proibição da ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, ressalvados apenas os casos previstos na lei em matéria de processo criminal.
Mais avançou o Tribunal que tais disposições normativas, embora visem diretamente limitar a atuação das autoridades públicas no processo criminal, tendo em conta os direitos, liberdades e garantias fundamentais dos particulares, aplicam-se também analogicamente no domínio do processo civil e, processual e extraprocessualmente, às pessoas privadas, a quem por maioria de razão é vedada, nomeadamente, a intromissão na correspondência, telecomunicações e demais meios de comunicação.
Conclui o argumentário no sentido de que o direito à descoberta da verdade material deve ceder diante outros direito e garantias constitucionalmente previstas, como é o caso da reserva da intimidade da vida privada e da inviolabilidade da correspondência, determinando que a prova junta pela trabalhadora para fundamentar a sua pretensão foi obtida de forma ilícita, determinando a sua nulidade.
Não obstante a dificuldade ou até morosidade na obtenção de determinada prova, à parte assiste-lhe sempre o direito, constitucionalmente garantido (art. 20.º da Constituição da República Portuguesa), de acesso ao direito e aos tribunais, com tutela judicial efetiva, designadamente na vertente da proibição da indefesa, e como manifestação da exigência de um processo justo e equitativo. A conduta processual das partes deve pautar-se pela observância de deveres de boa-fé fé e cooperação (art. 8.º do Código de processo Civil), na obtenção de prova licita, sob pena do apuramento da má-fé da sua litigância e consequente condenação.
Gonçalo Asper Caro @ DCM | Littler