Perante uma comunicação de decisão de despedimento, o trabalhador dispõe da faculdade de instauração de um procedimento cautelar, tendo em vista suspensão do despedimento, nos termos do artigo 33.º-A, e ss., do Código de Processo de Trabalho. Assim, logrando o pedido do trabalhador, i.e., concluindo, o juiz, pela probabilidade séria de ilicitude de despedimento, o trabalhador poderá reintegrar o seu posto de trabalho, cabendo à entidade empregadora o pagamento da respetiva retribuição – até posterior decisão judicial ou caducidade da providência.
Até às mais recentes alterações legislativas no âmbito laboral, o Procedimento Cautelar de Suspensão de Despedimento iniciava-se mediante a apresentação de um requerimento, pelo trabalhador, no prazo de cinco dias úteis subsequentes à comunicação de decisão de despedimento. Contudo, na sequência da aprovação da Lei n.º 13/2023, de 03 de abril, o aludido procedimento cautelar assumiu novos contornos. Assistimos, então, a: i) um reforço da ingerência administrativa no âmbito da cessação dos vínculos de trabalho; e, ii) à atribuição de legitimidade processual ativa ao Ministério Público para impulsionar os autos.
Reportemo-nos, nesta primeira parte, ao reforço da ingerência administrativa no âmbito da cessação dos vínculos de trabalho. Ora, na sequência do aditamentos do n.os 3 e 4, do artigo 11.º, do Estatuto da Inspeção-Geral do Trabalho, o Inspetor da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), passou a deter poderes de verificação casuística da existência de indícios de ilicitude do despedimento. No entanto, os seus poderes de apreciação encontram-se circunscritos às modalidades de: i) despedimento imputável ao trabalhador; ii) despedimento coletivo; iii) despedimento por extinção de posto de trabalho. Fica, portanto, fora dos poderes de cognição do Inspetor do Trabalho a apreciação de indícios de ilicitude de despedimento típicos de um despedimento por inadequação. Suscita-se, portanto, a seguinte questão: terá o legislador optado, conscientemente, por excluir dos poderes de cognição dos Inspetores do Trabalho, os indícios de ilicitude específicos desta modalidade de despedimento? Ou, contrariamente, estamos perante um lapso de escrita? Pois, tendo, de facto, optado por excluir os indícios de ilicitude típicos de despedimento por inadaptação – de que critério se socorreu o legislador? À míngua de melhor explicação, cremos que exclusão a que se alude tem assento na aplicação residual da modalidade de despedimento em apreço.
Tendo circunscrito a amplitude dos poderes de cognição dos Inspetores da ACT, caberá, agora, questionar: o Inspetor do Trabalho dispõe de um prazo para proceder a esta apreciação, ou, inversamente, poderá fazê-lo a todo o tempo? Poderá fazê-lo decorridos os cinco dias úteis? Afinal, o trabalhador dispõe destes mesmo cinco dias para a instauração do presente procedimento. Poderá fazê-lo decorrido o prazo para instauração da ação de Impugnação do despedimento? Facto é, que, da redação dos preceitos não decorre prazo para o efeito.
Por conseguinte, e atento o disposto no artigo 11.º, n.º 3, do Estatuto da Inspeção-Geral do Trabalho – caso o Inspetor teça um juízo positivo relativamente à existência de indícios de ilicitude do despedimento, deverá lavrar um auto na qual notifica o empregador para que este regularize a situação. Todavia, o que deve entender-se por regularizar a situação? Está em causa uma revogação unilateral da decisão de despedimento? Procurou, o legislador, reavivar admissibilidade de expurgo de vícios procedimentais, em termos similares aos previstos no Código do Trabalho de 2003? Mais uma vez, as previsões normativas não se demonstram aptas a esclarecer o intérprete. Não obstante, o setor dominante da doutrina tende a sufragar o primeiro entendimento. Contudo, note-se, este entendimento levanta uma questão que, cremos, ser incontornável. Optando a entidade empregadora por revogar a declaração pela qual comunica a sua decisão de despedimento – o trabalhador vê-se obrigado a reintegrar o seio empresarial? Pois, tenha-se presente, revogado o despedimento, a relação laboral retoma os seus contornos ao momento anterior à cessação. Logo, este deverá retomar o seu posto de trabalho. Fica, este, impedido de impugnar o ato de despedimento, aparentemente padecido de vícios? E se o trabalhador já tiver integrado um outro seio organizacional? Se tiver já celebrado um outro contrato de trabalho? Sobra-lhe a demissão? São várias as herméticas suscitadas a respeito deste procedimento pré-contencioso.
Perante as presentes dificuldades interpretativas, ainda sem reflexão jurisprudencial ou douta densificação doutrinária, caber-nos-á aguardar por desenvolvimentos sobre a temática.
Gabriela Plácido Alves @ DCM | Littler