Conforme sabemos, a princípio, o trabalhador deverá exercer a sua atividade no local contratualmente definido. A sua potencial alteração é realmente importante porquanto impacta diretamente a organização da vida pessoal e familiar do trabalhador. Por este motivo, o Código do Trabalho estabelece uma garantia ao trabalhador: a sua “inamovibilidade”. Isto significa que o trabalhador não deve ser transferido do seu local de trabalho (cfr. resulta do artigo 129º, nº1., al. f) do Código do Trabalho). Esta é uma regra de índole proibitiva que poderá, ainda assim, ser derrogada nos casos especialmente previstos na lei, por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou quando haja acordo.
Um recente acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 09.04.2025, no processo judicial nº 1063/24.9T8TVD.L1-4, debruçou-se sobre o mesmo tema, negando provimento ao recurso de sentença que julgou procedente a resolução do contrato com justa causa pelo próprio trabalhador, com atribuição de indemnização em 35 dias de retribuição por ano de antiguidade, face ao incumprimento de deveres legais, pelo empregador, relativos à alteração do local de trabalho.
Estava em causa uma transferência do local de trabalho individual, de Torres Vedras (Turcifal) para Lisboa, comunicada ao trabalhador no dia anterior ao da mudança, cujo fundamento assentava na solicitação de um cliente do empregador para «substituição do funcionário (…), por elemento com maior proactividade».
Será importante referir que no caso concreto dos autos, o trabalhador exercia funções correspondentes à categoria profissional de Vigilante, sendo-lhe aplicado um contrato coletivo de trabalho (IRCT). Para o que aqui releva, cabe destacar a cláusula 18º, nº.3 do referido contrato coletivo de trabalho, que previa como um dos pressupostos de admissibilidade da alteração do local de trabalho o seguinte: “c) O cliente solicite a sua substituição, por escrito, por falta de cumprimento das normas de trabalho, ou por infração disciplinar imputável ao trabalhador e os motivos invocados não constituam justa causa de despedimento;”. O douto Tribunal concluiu que a solicitação do cliente supra referenciada não preenchia o escopo do fundamento transcrito, devendo, desde logo, a alteração do local de trabalho ser considerada ilegal.
Não obstante, não foi cumprida a comunicação exigida por lei, por escrito e com antecedência mínima de pelo menos 8 dias (cfr. resulta do artigo 196º, nº1 do Código de Trabalho), nos casos de alteração meramente temporária do local de trabalho, conforme alegado pelo empregador nos autos (no caso de alteração definitiva implicaria uma antecedência de 30 dias). Tal incumprimento afeta a licitude da ordem de transferência e constitui contraordenação leve (no caso da definitiva, constituirá contraordenação grave).
Nesta senda, discutia-se, ainda, a disponibilidade do empregador para garantir o pagamento do acréscimo das despesas do trabalhador com a mencionada transferência do local de trabalho (imposto pela própria cláusula 18.ª, nº 6 do contrato coletivo). No caso concreto, o trabalhador despenderia mais de 40 minutos em deslocação para o novo local de trabalho deslocando-se pelas estradas sem portagem, ou em alternativa teria de suportar portagens, encargos que se somariam aos necessariamente decorrentes da realização de um maior percurso.
Outro aspeto relevante para a decisão do Tribunal superior prendeu-se com o notado pela Sra. Procuradora-Geral Adjunta: “o não pagamento das referidas despesas de deslocação tinha grande impacto na economia doméstica do recorrido, atento o baixo valor da retribuição auferida, o elevado custo das referidas deslocações e o facto de ser o único elemento do seu agregado familiar que auferia rendimentos”.
Tendo a conclusão do douto Tribunal sido a seguinte:
«Tais factos afiguram-se por isso suficientemente graves, quer pela ilegalidade manifesta da imposição da alteração e pelo incumprimento dos deveres legais relativos à comunicação (falta de informação escrita dos fundamentos e da duração ou sequer do carater temporário ou permanente da mesma), quer pelas consequências que a mesma acarretaria a nível económico para o Autor, nos termos supra analisados, permitindo concluir que se tornava inexigível ao Autor a continuação da sua atividade em benefício da Ré em tais condições, pelo que se considera verificada a justa causa de resolução do contrato”.» (destacados e sublinhados nossos)
O incumprimento dos deveres supra elencados consubstancia, no entendimento do douto Tribunal, comportamento culposo do empregador e, portanto, configura justa causa subjetiva, que legitima um qualquer trabalhador a resolver unilateralmente o contrato (cfr. resulta do artigo 394º, nº2, alínea b) do Código do Trabalho[1]).
[1] “b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador, designadamente a prática de assédio praticada pela entidade empregadora ou por outros trabalhadores;”
Ana Isabel Figueiredo