As alterações previstas ao Código do Trabalho que resultam, em grande medida, da concretização da Agenda do Trabalho Digno e de Valorização dos Jovens no Mercado de Trabalho, promovida pelo Governo nos últimos meses, está na ordem do dia e em consequência será um dos grandes temas que iremos abordar nos próximos artigos.
Refira-se que estão previstas mais de 70 medidas, que comportam mais de 100 alterações à legislação laboral, que vão ser discutidas na Assembleia da República no próximo dia 7 de julho.
Feito este parêntese, uma das alterações com maior relevo diz respeito à presunção da existência de contrato de trabalho no âmbito das plataformas digitais.
Segundo a proposta de lei preparada pelo Governo, mediante o aditamento de um artigo 12.º-A ao Código do Trabalho, presume-se a existência de contrato de trabalho, na relação entre o prestador de atividade e o operador de plataforma digital, ou outra pessoa singular, ou coletiva beneficiária que nela opere, quando o este último(s):
– Fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma digital ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela;
– Exerce poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade;
– Supervisiona a prestação da atividade ou verifica a qualidade da atividade prestada, incluindo através de meios eletrónicos;
– Restringe a autonomia do prestador de atividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência, à
possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados ou substitutos ou através da aplicação de sanções;
– Restringe a possibilidade de escolha dos clientes ou de prestar atividade a terceiros via plataforma.
Também se presume a existência de um contrato de trabalho quando os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao operador de plataforma digital, ou a outra pessoa singular ou coletiva beneficiária que nela opere, ou por estes sejam explorados através de contrato de locação.
Para que não restem dúvidas, a proposta de lei esclarece que entende-se por operador de plataforma digital, a pessoa singular ou coletiva que executa a sua operação no âmbito de uma plataforma digital destinada a prestar ou disponibilizar serviços à distância, através de meios eletrónicos, a pedido de um utilizador e que envolvam, como componente necessária e essencial, a organização de trabalho prestado por indivíduos, independentemente desse trabalho ser prestado online ou numa localização determinada, sob termos e condições de um modelo de negócio e uma marca próprios.
Os operadores das plataformas digitais podem afastar a presunção da existência de contrato de trabalho, desde que demonstrem que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo e direção e poder disciplinar de quem o contrata.
A proposta de lei estabelece também a aplicação de uma contraordenação muito grave a imputar ao empregador, quando a prestação de atividade ocorre de forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado.
Em caso de reincidência são ainda aplicadas ao empregador as sanções acessórias de (i) privação do direito a apoio, subsídio ou benefício outorgado por entidade ou serviço público, designadamente de natureza fiscal ou contributiva ou proveniente de fundos europeus, por período até dois anos, e a (ii) privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos, também por período até dois anos.
Importa referir que os indícios da presunção da existência de contrato de trabalho, podem gerar dúvidas. Veja-se: quando atribuímos uma classificação em estrelas nas plataformas digitais, significa que se verifica a existência de um contrato de trabalho entre o trabalhador e a plataforma digital?
Quantos de nós já ouvimos a expressão quando termina uma viagem num TVDE: pode-me dar 5 estrelas? Segundo a proposta lei, este ato de “avaliar em estrelas” permite ao condutor de um TVDE exigir a celebração de um contrato de trabalho com a plataforma digital? E se o trabalhador não estiver interessado? Fica a dúvida.
Por fim, cabe à Autoridade para as Condições do Trabalho a fiscalização e verificação das situações de presunção de contrato de trabalho entre os operadores das plataformas digitais e os prestadores de atividade, notificando os primeiros para, no prazo de 10 dias, regularizarem a situação, ou se pronunciarem dizendo o que tiverem por conveniente.
Este procedimento é imediatamente arquivado caso o empregador faça prova da regularização da situação do trabalhador, designadamente, mediante a apresentação do contrato de trabalho ou de documento comprovativo da existência do mesmo, reportada à data do início da relação laboral, mas não dispensa a aplicação das contraordenações.
Em suma, espera-nos uma ampla discussão em torno das várias propostas de alteração à legislação laboral, as quais serão foco nos temas a abordar no nosso Direito Criativo.
We got this!
Cláudio Rodrigues Gomes @ DCM | Littler