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Ajudas de custo na retribuição? O TJUE diz que sim.

By 9 Outubro, 2024No Comments

O que deve e o que não deve entender-se abrangido pelo conceito de “retribuição” é, de há muito, matéria de dúvidas e debates perante situações concretas que estão por detrás de litígios judiciais. A doutrina e os tribunais já assentaram em que esse conceito pode assumir formas e dimensões diferentes conforme as suas aplicações. De entre os numerosos tipos de atribuições patrimoniais que surgem na prática das relações de trabalho, as parcelas a considerar no cálculo do valor da retribuição são diferentes consoante a sua razão de ser e a finalidade desse cálculo. Essas diferenças podem até resultar da própria lei (como, à luz do Código do Trabalho, se verifica a propósito dos subsídios de férias e de Natal), mas, na maioria dos casos, têm que ser verificadas e ponderadas pelos próprios aplicadores das normas.

Um recentíssimo acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (de 4 de outubro de 2024, Air Nostrum, C-314/23) veio oferecer uma ilustração interessante, e até talvez um pouco radical, dessa diversidade de âmbitos do conceito de retribuição. O Tribunal decidiu que “as ajudas de custo que compensam, de acordo com um montante fixo, certas despesas efetuadas pelos trabalhadores por força das suas deslocações profissionais constituem um elemento da sua remuneração”.

Como se sabe, a nossa lei (art. 260º/1-a)) é explícita quanto à qualificação das ajudas de custo: em princípio, não se consideram na retribuição; mas esse princípio pode ser afastado, sendo as deslocações e as respetivas despesas frequentes, e situando-se o valor dessa prestação acima do normal, constando do contrato ou devendo incluir-se na remuneração segundo os usos,

É preciso notar, antes do mais, que este aresto do TJUE se refere à aplicação do princípio da igualdade e não discriminação em matéria de retribuições (ou seja: que a definição do âmbito da remuneração tinha por finalidade garantir a boa aplicação desse princípio); depois, deve assinalar-se que o caso em discussão diz respeito a tripulantes de uma companhia aérea, cujas deslocações são constantes. Estas duas considerações ajudam a entender a conclusão a que se chegou.

Assim, pode entender-se que o acórdão não colide frontalmente com os dados do nosso direito positivo.

No entanto, o raciocínio em que assentou este acórdão é mais subtil (e controverso). Esse raciocínio pode condensar-se na seguinte passagem do seu texto: “embora seja verdade que as ajudas de custo (…) não são pagas como contrapartida de uma prestação de trabalho, não é menos verdade que constituem uma regalia concedida pela entidade patronal aos trabalhadores em causa pelo seu trabalho” (realce nosso). Por outras palavras: não se paga trabalho, mas despesas feitas por causa do trabalho…

Será interessante verificar se e em que medida os nossos tribunais acolherão esta linha de raciocínio no futuro.

António Monteiro Fernandes @ Of Counsel, DCM | Littler