O teletrabalho é um mundo de problemas, que a lei só em parte aborda e procura resolver. Um deles diz respeito ao regime do local de trabalho. A lei parece muito clara: o acordo de teletrabalho deve definir “o local em que o trabalhador realizará habitualmente o seu trabalho, o qual será considerado, para todos os efeitos legais, o seu local de trabalho” (art. 166º, nº 1, al. b) do Código do Trabalho).
Por outro lado, para efeitos de aplicação do regime de reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais, considera-se “local de trabalho o local escolhido pelo trabalhador para exercer habitualmente a sua actividade” (art. 170º-A, nº 5).
Tem-se entendido que esta expressão se refere ao local inicialmente acordado, e não a qualquer localização episódica que o trabalhador, por gosto ou conveniência, e sem sequer dar disso conhecimento ao empregador, adopte para realizar, em certo dia ou período, a sua actividade.
Mas esta interpretação não pode considerar-se inteiramente líquida: a norma acabada de citar pode ser vista como uma regra especial relativamente à regra geral do art. 166º… E o ponto tem natural relevância: da interpretação escolhida derivará a consideração, ou não, de um acidente ocorrido num cibercafé ou num espaço de “coworking” – ou até um banco de jardim — a que o trabalhador recorra em certa manhã, como acidente de trabalho.
Há ainda que encarar questões que se suscitam a partir de outro ângulo de observação. Se o trabalhador realiza o trabalho no seu domicílio, todo e qualquer acidente que o atinja durante a prestação de trabalho deverá qualificar-se como acidente de trabalho?
Os tribunais de um dos Estados brasileiros (o da Bahia) tiveram, muito recentemente, que decidir se a lesão provocada a um teletrabalhador, durante a prestação de trabalho em sua casa, pelo cão de estimação (porventura num gesto de revolta por não estar a merecer a atenção do dono), deveria ser considerada consequência de um acidente de trabalho. A resposta foi sempre negativa, baseando-se no argumento de que se teria tratado de um mero “acidente doméstico” sem relação causal com a prestação de trabalho.
Não há razões para duvidar de que a decisão dos tribunais portugueses iria no mesmo sentido. Mas as coordenadas gerais da questão podem definir muitas outras situações de facto em que o carácter doméstico se cruza com a inerência à prestação e trabalho, e não parece que a lei ofereça critério de resposta para todas elas.
António Monteiro Fernandes