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Atribuição de viatura automóvel: que natureza?

A atribuição de viatura automóvel pode ou não revestir natureza retributiva e tem sido vasta a jurisprudência com decisões atinentes a esta matéria.

No pretérito dia 03 de dezembro de 2024 foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães, onde destacamos, desde já, o sumário: I – Concluindo-se que a atribuição da viatura automóvel para uso total (em serviço e na vida pessoal) remonta ao próprio acordo que vinculou profissionalmente o autor à ré – logo nesse momento foi atribuída ao autor uma viatura, para este utilizar também na sua vida particular, o que foi até essencial para ele aceitar a proposta de emprego – disponibilização de viatura essa que se verificou desde a admissão do autor e por cerca de onze anos, estamos perante uma prestação em espécie com carácter regular e periódico e um evidente valor patrimonial, que assume a natureza de retribuição. II – Como assim, a retirada unilateral da viatura constitui uma redução, proibida, da retribuição, mesmo que existam Ordens de Serviço que prevejam que a utilização pessoal da viatura cessa sempre que pela Administração da empregadora seja deliberado nesse sentido. (…)

No acórdão, de forma sucinta, a Ré interpôs recurso de apelação pugnando pela licitude da retirada da viatura por decisão do Conselho de Administração, tendo em conta (i) essa previsão nas Ordens de Serviço em vigor desde 2003 na Ré/Recorrente e que (ii) a atribuição de viatura de serviço não criou qualquer expectativa ou direito para o Autor/Recorrido, pois a sua atribuição podia cessar a qualquer momento, conforme previsão constante das Ordens de Serviço.

Na decisão em apreço aparenta ter tido ponderosa relevância a forma e o momento da atribuição da viatura automóvel para uso total (em serviço e na vida pessoal). Concretamente, do enquadramento fáctico, resultou provado que a atribuição da viatura se reportava ao próprio acordo entre as partes aquando da contratação. Assim, logo no momento da contratação foi atribuída ao Autor/Recorrido uma viatura, para este utilizar também na sua vida pessoal, o que resultou ter sido essencial para que este aceitasse a proposta de trabalho. Concluindo-se, em continuidade, que o que, por fim, estava em causa era, antes de mais, o cumprimento do acordado, tal como estabelece o artigo 406.º, n.º 1, do Código Civil. Neste sentido, a factualidade que enquadra a decisão deve ser ponderada para a reflexão e formulação de conclusões.

Neste sentido e como complemento da nossa proposta de reflexão, destacamos outro recente acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, em que se decidiu pela licitude da retirada da viatura, tendo em conta a previsão da possibilidade da sua retirada, em Ordem de Serviço, e de forma unilateral por decisão da Entidade Empregadora.

A questão de saber se a atribuição de viatura reveste ou não natureza retributiva deve ser ponderada no caso concreto. A atribuição de viatura em si mesma não indica de per se a natureza retributiva e, ainda que alguma circunstância possa fazer presumir a natureza retributiva, o empregador pode ilidir essa presunção. Assim, a reflexão que nos propomos fazer é a de saber de que forma a Entidade Empregadora o pode fazer?

O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa auxilia nesta reflexão. Neste sentido, refere-se no acórdão que a Entidade Empregadora para – ilidir a presunção de que as prestações disponibilizadas aos colaboradores têm carácter retributivo, sendo que no caso de atribuição de uma viatura para uso pessoal e pagamento das despesas inerentes à utilização da mesma, terá de provar que:

– Ou não foi acordado no [Contrato de Trabalho], não é um uso, nem deriva de [Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho];

– Ou não é contrapartida da actividade laboral, mas visa compensar uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho;

– Ou não é regular e periódica;

– Ou não é avaliável em dinheiro;

– Ou não constitui um direito do trabalho, porque é feito com animus donandi, ou seja, não resulta de uma obrigação.

Assim, este segundo acórdão concluiu que a atribuição de viatura se fez nos termos gerais mencionados nas Ordens de Serviço existentes na empregadora, podendo cessar a sua atribuição por decisão unilateral da entidade empregadora, permitindo ilidir a presunção do artigo 258.º, do Código do Trabalho, não se considerando, por isso, parte da retribuição e como tal, não violaria o princípio da irredutibilidade da retribuição nos termos do disposto no artigo 129.º, n.º 1, al. d), do Código do Trabalho.

Em conclusão, a atribuição de viatura pode ou não revestir natureza retributiva, sendo relevante a reflexão, no caso concreto, quanto, por exemplo, (i) ao momento da atribuição; (ii) ao motivo da atribuição; (iii) ao enquadramento da atribuição e (iv) à regularidade da atribuição.

Permaneceremos atentos.

Ana Amaro @ DCM Littler

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