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BlogContrato de trabalho

Aviso prévio nos contratos de comissão de serviço – será mesmo mais flexível para ambas as partes?

By 27 Dezembro, 2024Dezembro 30th, 2024No Comments

Tivemos já oportunidade de nos debruçarmos sobre o cenário hipotético em que um contrato de trabalho em regime de comissão de serviço pode ser (ainda que absurdamente) um “contrato experimental” (disponível para consulta aqui).

Desta vez olhamos para um outro aspeto do regime legal da comissão de serviço que poderá também suscitar questões. Falamos do regime de cessação deste tipo de contratos, em particular, no que diz respeito às regras aplicáveis ao aviso prévio.

Esta modalidade contratual encontra-se regulada nos artigos 161.º a 164.º do Código do Trabalho, regulando o artigo 163.º, n.º 1 o prazo de aviso prévio a observar pelas partes se e quando pretenderem colocar termo à comissão de serviço.

Sempre que o contrato tenha durado até dois anos, qualquer uma das partes, para comunicar a sua vontade de fazer cessar o contrato à respetiva contraparte, deverá observar um prazo de aviso prévio de 30 dias. Este período mínimo já ascenderá a 60 dias quando a duração do contrato exceda os dois anos.

Até aqui, não apenas temos um regime mais flexível no que diz respeito às regras sobre a forma de cessação dos contratos de trabalho (nomeadamente, pela entidade empregadora), como temos também um regime que coloca empregador e trabalhador numa posição de relativa igualdade quanto à forma de cessação do contrato de trabalho.

Além disso, e tratando-se de um regime de contrato especial, vale a regra segundo a qual norma especial derroga norma geral.

Mas será mesmo assim? Poderá não ser bem assim quando seja o trabalhador a denunciar o contrato?

Muitas vezes esquecido, citamos aqui o artigo 9.º do Código do Trabalho, segundo o qual “Ao contrato de trabalho com regime especial aplicam-se as regras gerais deste Código que sejam compatíveis com a sua especificidade”.

Ora, nos termos gerais, nomeadamente, nos termos do artigo 400.º, n.º 1 do Código do Trabalho temos que “O trabalhador pode denunciar o contrato independentemente de justa causa, mediante comunicação ao empregador, por escrito, com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, conforme tenha, respetivamente, até dois anos ou mais de dois anos de antiguidade”. Até esta parte, percebemos que, para o trabalhador, no que respeita ao prazo de aviso prévio, nada se altera. Ou será que altera?

Quando olhamos para o n.º 2 do mesmo preceito legal, lemos o seguinte: “O instrumento de regulamentação coletiva de trabalho e o contrato de trabalho podem aumentar o prazo de aviso prévio até seis meses, relativamente a trabalhador que ocupe cargo de administração ou direção, ou com funções de representação ou de responsabilidade” (destacado nosso).

E, com efeito, estes trabalhadores fazem parte do rol de trabalhadores aos quais se pode aplicar o regime especial do contrato de trabalho em comissão de serviço, nos termos do artigo 161.º do Código do Trabalho. Assim, poder-se-á questionar se existe a possibilidade, quer através de IRCT quer através de estipulação contratual entre as partes, de aumentar o período de 30 ou 60 dias de aviso prévio a que se encontra sujeito o trabalhador no âmbito do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço.

Outra questão é a de saber, então, o que significa isto na prática? A inserção sistemática do preceito citado, leva a crer que o legislador pretendeu que esta fosse uma solução somente aplicável ao prazo de aviso prévio pelo trabalhador, e já não àquele a observar pela entidade empregadora. Esta, não obstante a regulação por IRCT no sentido exposto ou a convenção entre as partes (se a extensão for possível igualmente através desta segunda via) continuará sujeita ao prazo mínimo de 30 ou de 60 dias previsto pelo artigo 163.º, n.º 1 do Código do Trabalho.

Então, e se a entidade empregadora decidir comunicar a sua intenção de cessar o contrato de comissão de serviço, respeitando (por hipótese) o prazo a que se encontra obrigada de 30 dias, e o trabalhador invocar que existe um incumprimento do prazo contratualmente acordado de 90 dias? Estará a entidade empregadora “condenada” a pagar uma indemnização pelo aviso prévio em falta?

Julgamos que não. Se, por um lado, é verdade que esta é uma regra que, por via do artigo 9.º do Código do Trabalho poderá ser aplicada aos trabalhadores elegíveis para a celebração de um contrato de trabalho em regime de comissão de serviço, e se é verdade que lhes concede a possibilidade de verem o prazo de aviso prévio aumentado para até seis meses, também é verdade que esta extensão não vincula a entidade empregadora relativamente ao prazo de aviso prévio a que esta se encontra legalmente obrigada.

É que, conforme referimos, a inserção sistemática deste normativo na Secção V, subsecção II “Denúncia de contrato de trabalho pelo trabalhador” (destacado nosso) leva a crer que esta é um aumento somente vinculativo para o trabalhador quando queira denunciar o contrato de trabalho, mas já não uma “arma” que poderá ostentar perante o empregador que, legitimamente, denuncie o contrato de trabalho em regime de comissão de serviço, respeitando os prazos mínimos legas de 30 ou 60 dias, conforme o caso.

Relativamente à questão de saber se será possível aumentar o prazo de aviso prévio do trabalhador neste tipo de contrato de trabalho por acordo entre as Partes, por força do disposto no artigo 400.º, n.º 2 do CT, em princípio, tenderemos a dizer que não. Relembre-se que o regime da comissão de serviço é, como referimos, um regime especial que, portanto, derroga, em tudo o que nele se encontre especificamente regulado, as normas gerais aplicáveis. Neste sentido, poder-se-á considerar que, estabelecendo o regime da comissão de serviço as regras relativas à denúncia do contrato e ao aviso prévio, serão estas as aplicáveis. Ademais, aplicar-se-á o disposto no artigo 339.º, n.º 2 do CT segundo o qual as regras relativas ao aviso prévio “podem ser reguladas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho”, o que serve por dizer que, nos termos do artigo 3.º, n.º 5 do CT se trata de uma norma convénio-dispositiva, isto é, trata-se de matérias que somente poderão ser alteradas por IRCT e não por contrato de trabalho, sendo ainda certo que a matéria em análise não consta do rol de matérias que só podem ser alteradas por IRCT em sentido mais favorável ao trabalhador (artigo 3.º, n.º 3 do CT).

Por outro lado, pode igualmente questionar-se se, de facto, não será aplicável o artigo 400.º, n.º 2 do CT, uma vez que este regula, em especial, a possibilidade de extensão do prazo de aviso prévio, sendo este um ponto omisso no regime da comissão de serviço. A entender-se que sim, poder-se-ia considerar que as partes, por via do contrato de trabalho, poderiam estender o prazo de aviso prévio (sendo que se colocam dúvidas quanto à possibilidade de apenas o estipular para o trabalhador).

Em suma, o regime da cessação desta modalidade de contrato de trabalho poderá ser considerado, também por este motivo, altamente flexível do ponto de vista da entidade empregadora. Contudo, e apesar de um regime pouco extenso no âmbito do Código de Trabalho, a sua aplicação continua a fazer surgir questões.

 

Rui Rego Soares @ DCM | Littler