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Cessação do acordo de teletrabalho “originário” – O dia seguinte

By 4 Setembro, 2024Setembro 5th, 2024No Comments

Com o despontar do surto pandémico derivado da disseminação à escala global do vírus SARS-COV 2 (v.g. COVID-19) a regulamentação do teletrabalho atingiu o expoente máximo da sua relevância prática.

O acordo de teletrabalho, nos termos do n.º 1 do artigo 167.º do Código do Trabalho (CT) poderá ter duração determinada ou indeterminada.

Nos termos do disposto no n.º 5 do referido preceito legal:

  1. Cessando o acordo de teletrabalho no âmbito de um contrato de trabalho de duração indeterminada, ou cujo termo não tenha sido atingido, o trabalhador retoma a atividade em regime presencial (…).

Importa ainda destacar as seguintes regras resultantes do n.º 4 do mesmo normativo:

  1. Qualquer das partes pode denunciar o acordo durante os primeiros 30 dias da sua execução.

A par da possibilidade de estarmos perante um acordo de teletrabalho de duração determinada ou indeterminada, este pode ainda tratar-se de um acordo de teletrabalho que surge já no decurso da execução do contrato de trabalho ou, pelo contrário, de um acordo simultâneo ao início da execução do mesmo (o acordo de teletrabalho “originário”).

Dúvida:  se a solução legislativa não oferece grande dificuldade quando o acordo de teletrabalho seja celebrado já no decurso da execução do contrato de trabalho (em caso de cessação de tal acordo, o trabalhador continua a desempenhar as suas funções em regime de trabalho presencial), no caso do acordo de teletrabalho “originário” a questão pode não ser tão simples.

Suponhamos a seguinte hipótese:

  • Um(a) trabalhador(a) é contratado para prestar a sua atividade profissional em regime de teletrabalho, ab initio, sendo este um dos pressupostos para a entidade empregadora ter avançado com a sua contratação. Sucede que se trata de um contrato de trabalho a termo certo, com duração de 5 meses. O trabalhador, após o termo do período experimental de 15 (quinze) dias, e entre o 16.º dia e 30.º dia do prazo de que dispõe nos termos do n.º 4 do artigo 167.º do Código do Trabalho, para denunciar o acordo de teletrabalho, apresenta, de facto, a referida denúncia.

Questões:

  • Aplicar-se-á a solução legislativa vertida no n.º 5 do artigo 167.º do Código do Trabalho? Isto é, retoma o trabalhador a prestação da sua atividade em regime presencial doravante?
  • Como poderá operar tal retoma se o trabalhador nunca prestou a sua atividade em regime presencial e se a sua contratação teve, como um dos pressupostos, a prestação de atividade em teletrabalho?
  • E se a entidade empregadora nem sequer dispõe de instalações físicas que permitam acolher o trabalhador?
  • A denúncia do acordo de teletrabalho implica a denúncia do contrato de trabalho?

A aplicação do disposto no n.º 5 do artigo 167.º do CT não parece ter lugar em hipóteses de acordo de teletrabalho “originário”. De facto, o preceito em causa parece estar pensado para situações de teletrabalho posterior ao início da vigência do contrato de trabalho e deixa sem solução aparente os restantes cenários.

Ainda que se imaginasse que a solução passa mesmo por ficcionar que existiu anteriormente uma prestação de trabalho presencial, tal entendimento poderia revelar-se desproporcionadamente penoso para a entidade empregadora, uma vez que terá um acréscimo de despesas inerentes ao albergue de um ou mais um trabalhador nas suas instalações ou, no limite, poderia levar a que se visse constituída na obrigação de as criar…

Por outro lado, até mesmo para o próprio trabalhador tal solução poderia revelar-se prejudicial, imaginando que a localização das instalações da entidade empregadora poderia implicar o seu realojamento.

Crendo-se ter sido já dada resposta às segunda e terceira questões, avançando para a quarta, rematamos que a resposta a esta última não poderá deixar de ser negativa. Do artigo 166.º, n.º 2 do Código do Trabalho resulta uma clara distinção entre o contrato de trabalho e o acordo de teletrabalho, pois que o legislador apresenta duas hipóteses: i) o acordo escrito constar do contrato de trabalho inicial; ii) ser autónomo em relação a este.

Neste sentido e considerando a imperatividade do regime da cessação do contrato de trabalho, tal solução seria legalmente inadmissível.

Assim sendo, o que acontece “no dia seguinte” à cessação do acordo de teletrabalho?

Considerando que nos encontramos perante uma lacuna, o recurso à analogia apresenta-se-nos como uma primeira possibilidade.

Traçamos tal analogia com o regime previsto nos artigos 162.º, n.º 2 e 164.º do CT (regime da comissão de serviço). A solução, a título preventivo, poderá passar por deixar expressa no contrato de trabalho a possibilidade de permanência do trabalhador ao serviço da entidade empregadora em caso de cessação do acordo de teletrabalho (artigo 162.º, n.º 2 e n.º 3, al. d) do artigo 162.º do C T). Após a cessação do acordo, aplicar-se-ia, por analogia o regime da cessação da comissão de serviço previsto no artigo 164.º do Código do Trabalho.

Uma segunda possibilidade, encontra-se no artigo 343.º, al. b) do mesmo diploma legal. A cessação do acordo de teletrabalho “originário”, em caso de inexistência da possibilidade de o trabalhador “retomar” a sua atividade em regime presencial, sempre operaria a caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de a entidade empregadora receber a prestação de trabalho (o impossibilidade mesmo do trabalhador em prestar em regime presencial).

Parece-nos, salvo melhor opinião, que a solução do n.º 5 do artigo 167.º do CTT, aplicada sem mais, conduziria ao cenário de uma transição forçada de trabalho presencial por decisão unilateral da parte que denuncia o acordo de teletrabalho, podendo mesmo, no limite, e caso tal parte seja a entidade empregadora, estar em causa o direito à livre escolha da profissão, previsto no artigo 47.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

Rui Rego Soares @ DCM | Littler