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Conhecer ou não conhecer do recurso: Eis a questão?

By 19 Outubro, 2022No Comments

O caminho jurisprudencial percorrido pelo Tribunal Constitucional tem deixado em aberto, de resto com posições divergentes, a questão de conhecimento de recursos que tenham por objeto normas de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho (doravante “IRCT”) negociais. Nesta senda, temos como exemplos os acórdãos n.º 392/89, n.º 172/93, n.º 214/94, n.º 368/97, n.º 277/99, n.º 224/05, n.º 174/2008, n.º 49/2019 e n.º 107/2022 , bem como a Decisão Sumária n.º 667/2019.

Esta questão está longe de estar pacificada na jurisprudência do Tribunal Constitucional, exemplo disso é o mais recente Acórdão n.º 478/2022, do passado dia 5 de julho. A 1.ª secção do Tribunal Constitucional, decidiu não conhecer do objeto do recurso, em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade de norma contida em convenção coletiva de trabalho.

Em concreto, estavam em causa a Cláusula. 136.º, n.os. 1 e 2 do Acordo Coletivo de Trabalho do Setor Bancário de 2011, BTE n.º 3, vol. 78, de 22/01/2011, e a Cláusula 98.º do Acordo Coletivo entre a Caixa Económica Montepio Geral e outros e a Federação do Setor Financeiro – Revisão global, BTE n.º 8, vol. 84, de 28/02/2017.

A decisão, por maioria simples (com dois votos de vencido), foi no sentido de, com base nos fundamentos do Acórdão n.º 172/93 e 224/2005, determinar a irrecorribilidade de decisões onde estejam em causa normas emergentes de IRCT negociais.

Na referida decisão, votaram vencido, os Juízes-Conselheiros Pedro Machete e José João Abrantes, para quem as convenções coletivas possuem as características que «integram o “conceito funcionalmente adequado ao sistema de fiscalização da constitucionalidade” previsto no artigo 277.º da Constituição “e consonante com a sua justificação e sentido”». Desse modo, em sintonia com o acolhido pelos Acórdãos n.os 214/94, 368/97, 174/2008, dentre outros, as normas de convenções coletivas poderão ser submetidas ao controlo de constitucionalidade.

Posto isto, afirmaram os demais Juízes do Palácio Ratton que “a natureza jurídico-privada das convenções coletivas de trabalho distancia-as do exercício de poderes públicos de criação normativa”, sendo as normas nelas contidas apenas passíveis de serem sindicadas “no eventual caso de sobrevir um ato normativo público que incorpore as normas da convenção coletiva” em portaria de extensão.

Ora, nesta senda, podem colocar-se as seguintes questões, (i) originará esta posição formalista um resultado subvertido, levando a que a mesma norma, se for objeto de portaria de extensão possa ser fiscalizada e concluir-se pela sua inconstitucionalidade, e sem a portaria não é sequer sindicável?; (ii) Verificar-se-á uma cisão artificial na possibilidade de conhecimento do objeto do recurso, quando falamos da mesma norma, com a mesma origem, que, ademais, pode ser aplicável às partes não por via da portaria de extensão (ainda que exista), mas por via direta do IRCT negocial?; e (iii) Em Portugal, sem o recurso de amparo, ficará o acesso ao direito e aos Tribunais irreversivelmente comprometido?

É tempo de reflexão e continuaremos atentos.

Ana Amaro, João Villaça @ DCM | Littler