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CV – Curriculum Vigarista: a mentira compensa?

By 15 Julho, 2024No Comments

A competitividade que assistimos atualmente a nível empresarial e profissional leva a que os candidatos a emprego (quase) tudo façam para prender a atenção do recrutador na análise dos currículos, ainda que para isso possa ser necessário tornar o percurso profissional e formação mais adequadas ao emprego a que se candidatam.

Dependendo do grau de análise e tempo que se gasta na análise dos currículos estas “adaptações” dos currículos podem passar mais ou menos desapercebidas, levando a que em muitos casos a velha máxima da mentira tem perna curta tenha plena aplicação, isto porque é cada vez mais comum por parte das empresas a verificação com um grau de certeza e eficácia o percurso profissional de um trabalhador, mormente se estiverem em causa cargos com especial importância.

A colocação de informações falsas no currículo ou mentir na entrevista de emprego, como experiências profissionais anteriores, formações ou hard skills que não correspondem à realidade, podem vir a colocar em causa um dos elementos essenciais da relação laboral – a confiança –  ou até mesmo à nulidade do contrato de trabalho, pense-se por exemplo o caso de um motorista que não é titular de documento habilitante para o exercício da atividade – art. 117.º, do Código do Trabalho.

Ainda que se tenha por assente este enquadramento, a verdade é que a jurisprudência pode surpreender nas decisões que profere. Senão vejamos:

O Tribunal Superior de Justicia de Valladolid, em decisão de 19.04.2024, entendeu que o despedimento de uma trabalhadora por falsear a informação do seu curriculum vitae não é suficientemente gravosa para justificar o despedimento por justa causa. A trabalhadora foi despedida por ter falsificado a sua experiência laboral, depois de se terem detetado discrepâncias entre o curriculum vitae da trabalhadora e a informação de percurso profissional que a empresa solicitou e a trabalhadora voluntariamente facultou.

Considerou o Tribunal que este pedido de informações sobre o percurso profissional por parte da empresa contraria a norma de proteção de dados pessoais, uma vez que o pedido de informações sobre o percurso profissional dos trabalhadores sem o seu consentimento voluntario para depois o utilizar como forma de justificar despedimentos disciplinares, traduz uma atuação contrária aos ditames das boa-fé contratual e uma violação do direito fundamental à proteção de dados pessoais dos trabalhadores.

Volvendo agora o olhar para o nosso sistema, como decidiria um tribunal português?

A temática dos dados pessoais, embora não seja recente, ganhou especial destaque nos últimos anos, com uma preocupação mais acentuada por parte da jurisprudência e doutrina nacionais. Tanto o Regulamento (UE) 2016/679, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, como a Lei n.º 58/2019, de 08 de agosto, preveem a proteção de dados pessoais como um direito fundamental, elevando-se a proteção ao plano constitucional no art. 35.º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Significa isto que, qualquer tratamento de dados pessoais deve contar com o consentimento explícito do visado, por forma a garantir-se o efetivo controlo dos seus dados e o respetivo uso.

No plano laboral, o Código de Trabalho, no seu art. 106.º sob a epigrafe deveres de informação, postula deveres de informação para o empregador e para o trabalhador com especial revelo para a relação laboral e para a prestação da atividade profissional, estipulando, ainda, o art. 126.º, n.º 1, do CT que o empregador e o trabalhador devem proceder de boa fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respetivas obrigações. Ou seja, estes deveres de informação pressupõem uma observância do princípio geral de boa-fé que revela determinadas exigências objetivas de comportamento – de correção, honestidade e lealdade – impostas pela ordem jurídica, exigências essas de razoabilidade, probidade e equilíbrio de conduta, exigindo certos modos de atuação, seja na fase pré-contratual, seja ao longo de toda a execução do contrato, bem como na extinção – cfr. art. 102.º, do CT.

Na judicatura pátria, o Tribunal da Relação de Guimarães, em acórdão de 02.05.2016, sufragou entendimento no sentido de que [a] emissão de uma declaração falsa, violando, embora, o dever de boa fé, não é de molde a impossibilitar a subsistência do contrato de trabalho, existindo decisões em sentido divergente, nas quais se entendeu Constitui justa causa de despedimento o comportamento do A. que, tendo apresentado uma declaração médica justificativa, apenas, de uma falta dada num determinado dia, a adulterou acrescentando-lhe um outro dia para justificação da falta que deu.

A existência de justa causa para a cessação do vínculo está dependente da verificação cumulativa de três pressupostos:

  • o comportamento culposo do trabalhador;
  • a impossibilidade de subsistência da relação; e
  • o nexo de causalidade entre o comportamento e a impossibilidade assinalada.

Sempre se dirá que, se o trabalhador omitiu ou falseou conscientemente a verdade dos factos tendo em vista iludir a empregadora, para com tal comportamento obter uma vantagem, revelando-se prejudicial e comprometendo a manutenção da relação de trabalho, o trabalhador poderá ser sancionado disciplinarmente e ditar a cessação do vínculo de trabalho.

Gonçalo Caro @ DCM | Littler