A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) difundiu, recentemente, um “entendimento sancionado por Despacho da Diretora-Geral” acerca do modo por que devem enquadrar-se, sob o ponto de vista fiscal, as soluções práticas destinadas a dar cumprimento ao disposto no art. 168º do Código do Trabalho em matéria de compensação de “despesas adicionais” suportadas pelo trabalhador em regime de teletrabalho.
Esse artigo determina, com efeito, que sejam “integralmente compensadas pelo empregador todas as despesas adicionais que, comprovadamente, o trabalhador suporte” em razão da adoção do regime de teletrabalho, “incluindo os acréscimos de custos de energia e da rede instalada no local de trabalho em condições de velocidade compatível com as necessidades de comunicação de serviço, assim como os custos de manutenção dos mesmos equipamentos e sistemas”.
E o nº 5 do mesmo artigo estabelece que a compensação das despesas adicionais “é considerada, para efeitos fiscais, custo para o empregador e não constitui rendimento do trabalhador”, isto é, não sofre incidência do IRS.
Desde que esse regime legal foi instituído, algumas dúvidas emergiram quanto aos procedimentos a adotar no apuramento de tais montantes.
Como é evidente, não se suscitam especiais dificuldades no que respeita a despesas “correspondentes à aquisição de bens e ou serviços de que o trabalhador não dispunha”. É certo que a compra de um novo computador ou de uma versão mais moderna dos programas a utilizar não significa que o trabalhador não dispusesse antes de “bens ou serviços” da mesma natureza. Mas nem por isso deixa de haver “despesas adicionais” relacionadas com o teletrabalho e como tais ao alcance do tratamento fiscal acima referido.
O problema está em que o procedimento preconizado pelo mesmo artigo 168º para o apuramento das despesas adicionais relativas aos “acréscimos de custos de energia e de rede” oferece dificuldades práticas sérias. Essas despesas são “determinadas por comparação com as despesas homólogas do trabalhador no mesmo mês do último ano anterior”, o que implica um sistema permanente de cotejos mensais entre faturas atuais e de um ano antes.
A solução complica-se com a exigência, constante do nº 4 do mesmo art. 168º, de que o pagamento da compensação seja feito “imediatamente após a realização das despesas pelo trabalhador”.
A superação dessas dificuldades é tentada, em várias convenções coletivas recentes, através do estabelecimento de um montante fixo para a compensação, a pagar mensalmente pelo empregador com expressa referência a esse fundamento.
É esse tipo de soluções que o “entendimento” da AT vem colocar em crise, uma vez que, em substância, retira a tais prestações a natureza de “compensação de despesas” para lhes conferir a fisionomia de rendimentos de trabalho, sujeitando os trabalhadores à incidência de IRS sobre o seu valor.
Com isso, as mencionadas cláusulas de convenções coletivas são “postas em cheque” pelo Fisco, sendo de esperar que possam vir a ser objeto de revisão extraordinária destinada a afastar essa penalização a que os trabalhadores abrangidos se encontram expostos.
Daí uma outra questão: do “entendimento” referido decorre, nos casos em que sejam aplicadas tais cláusulas, uma alteração da estrutura da retribuição, que, levado à risca o que se dispõe no art. 109º do Código, imporia aos empregadores o dever de informarem disso os trabalhadores.
António Monteiro Fernandes @ Of Counsel, DCM | Littler
João Villaça @ DCM | Littler