Skip to main content
Blog

E se mentir numa entrevista de emprego?

By 30 Julho, 2024Agosto 1st, 2024No Comments

No âmbito dos processos de recrutamento, não são raros os rumores de que o candidato terá probabilidades mais altas de ser selecionado e integrado na empresa caso minta na resposta a algumas questões catalogadas como “sensíveis”.

O problema é ilustrado eficientemente dando o seguinte exemplo: quid juris se o trabalhador, tendo sido questionado sobre a sua orientação sexual, mentir sobre a mesma, vindo mais tarde a saber-se que era homossexual?

A questão perdura, igualmente, no caso de se tratar de uma candidata a oportunidade de emprego, a qual é questionada acerca do seu estado de gravidez, não sendo tal indagação determinante para a atividade profissional a desempenhar, acabando esta por mentir, com receio de perder a oportunidade. E, mais tarde, verifica-se que sempre esteve grávida.

Poderá o empregador, nestes casos e outros análogos, invocar a quebra do dever de lealdade, por prestação de informações falsas no processo de formação do contrato de trabalho? Terá, ainda, justa causa para o despedimento?

Ora, como ponto de partida, sabemos que o empregador, regra geral, não poderá colocar questões ao candidato que incidam sobre a sua vida afetiva ou orientação sexual, bem como opção partidária, ideológica ou religiosa, preferências sindicais, estado de saúde ou gravidez. O Artigo 17.º do Código do Trabalho veda-lhe esta possibilidade, proibindo-o de interrogar o candidato sobre a sua vida privada.

Porém, esta proibição não reveste caráter absoluto: existem certos casos excecionais baseados em necessidades objetivas em que se admitem estas questões sobre a vida privada e íntima do candidato. Por exemplo, o empregador poderá questionar acerca do estado de saúde do candidato (sendo que, à partida, não o poderá fazer) quando esteja em causa a proteção e segurança deste e/ou de terceiros.

Mas e se o empregador fizer, de todo o modo, questões invasivas da esfera privada do candidato, não se encontrando legitimado por qualquer destas necessidades objetivas? “The plot thickens”.

O candidato terá de reagir. E poderá reagir de duas formas: ou pelo silêncio, ou pela mentira. Por um lado, se se reduz ao silêncio e opta por não responder à questão colocada, as suas possibilidades de conseguir o cargo serão reduzidas significativamente. Por outro, poderá eventualmente mentir.

Sem prejuízo, claro, de escolher a “terceira via” da honestidade – note-se, porém, que não é comum esta escolha pelo simples facto de que, regra geral, todos os candidatos se encontram numa posição desigual com o empregador, excluindo desde logo a hipótese da honestidade no confronto com questões de tal cariz.

O direito à mentira na formação da relação laboral tem sido altamente discutido na doutrina portuguesa. Umas vozes, como é o caso de Romano Martinez, apontam no sentido de, apesar de o empregador colocar uma questão ilícita ao candidato, este não terá o direito a mentir, mas somente o direito a não responder. Outros, como Monteiro Fernandes, dizem que o direito à mentira não é, sequer, um instituto permitido pelo nosso ordenamento, por ser frontalmente violador do princípio da boa-fé. Acrescentam, ainda, que a prestação de informações falsas, para além de geradora de eventual responsabilidade civil (conforme o artigo 102.º do CT), pode constituir dolo ilícito capaz de sustentar a anulabilidade do contrato de trabalho.

Num passo ousado, mas necessário, outros afirmam que dar a possibilidade à entidade empregadora de invocar a falsidade da informação prestada pelo candidato, quando ela própria agiu de má-fé ao colocar a questão ilegítima, constitui abuso de direito. Nesses termos, “ainda que viole a boa-fé contratual, a mentira do trabalhador, perante uma pergunta ilícita do empregador, corresponde a um comportamento lícito; mas juridicamente há uma diferença entre admitir-se que o comportamento é lícito e ser atribuído um direito subjetivo a violar uma regra jurídica”.

Por via de uma inferência lógica, à partida, este raciocínio levar-nos-á à conclusão de que não está em causa um direito a mentir, mas sim a atribuição de um expediente de defesa contra um ataque ao direito à privacidade por parte do candidato. Nesta senda, o “direito à mentira” poderia ser encarado como um sub-direito emergente do direito à reserva da intimidade da vida privada, permitido pela boa-fé, sendo que esta é uma cláusula flexível que não obriga a responder com verdade a quem pergunta de má-fé.

Apesar de toda a controvérsia em torno da questão, facto é que mesmo as vozes que negam a existência desse direito acabam por admitir a possibilidade de mentir face a questões ilegítimas, ainda que não a vejam como verdadeiro direito.

Independentemente da discussão exposta acerca da admissibilidade (ou não) da existência deste direito à mentira pelo candidato, colocam-se várias questões principalmente acerca da sua admissibilidade na fase pré-contratual, na pendência do contrato, bem como durante o seu decurso.

Aguardamos, também, as futuras respostas que a jurisprudência possa vir a dar relativamente a este tema. A questão está para ficar.

David Balseiro, Estagiário de Verão @ DCM | Littler