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E se o arrependimento não matasse (o contrato)?

By 14 Janeiro, 2025No Comments

É sabido que os trabalhadores podem revogar a resolução do contrato de trabalho, durante um período de sete dias, configurando-se tal possibilidade um verdadeiro direito ao arrependimento. Mas e se decorrido esse período as partes quisessem “revigorar” o contrato? Seria admissível?

Relativamente a estas questões, o Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se no Acórdão do pretérito dia 16 de outubro de 2024.

Do rol dos factos, destacamos os seguintes:

i) Na data de 01.2012 a Autora e o seu marido, compraram uma empresa, ali na qualidade de Ré;

ii) Sendo a Autora trabalhadora na Ré, na sequência de atrasos no pagamento das retribuições devidas à mesma, em 02.2021, comunicou à Ré a resolução do contrato de trabalho com fundamento em justa causa;

iii) Em 03.2021, após o divórcio, a Autora e o gerente da Ré, ex-marido, celebraram um contrato-promessa de partilha de bens comuns, do qual constava, designadamente, que “a primeira outorgante dá sem efeito a comunicação de resolução do contrato de trabalho datada de 15.02.2021, (…) cuja eficácia será repristinada, em caso de incumprimento pelo segundo outorgante de alguma das obrigações assumidas no presente acordo”;

iv) A Ré continuou a pagar os vencimentos subsequentes a este contrato;

v) O gerente da Ré, face à recusa da Autora em outorgar a escritura pública de partilha, procedeu à suspensão dos pagamentos dos salários da Autora de agosto e setembro de 2021, bem como do subsídio de férias do ano civil de 2020;

vi) Por carta datada de 10.2021, a Autora deu a conhecer à Ré a sua intenção de “rescisão unilateral, com justa causa, do seu contrato de trabalho”.

Voltemo-nos agora para a questão de saber se, à data da segunda resolução do contrato de trabalho pela Autora (18.10.2021), o vínculo contratual se encontrava em vigor.

A resolução, como exercício de um direito potestativo e enquanto uma declaração de vontade unilateral, consiste numa decisão de uma das partes para extinguir o contrato. Essa decisão, comunicada à outra parte, tem o objetivo de destruir a relação contratual e fazer regressar as partes à situação anterior à celebração do contrato.

 

Todavia, e não obstante a irrevogabilidade da declaração negocial, prevista no art. 230.º do Código Civil, ser a regra, poderão operar um conjunto de exceções à mesma.

Desde logo, do art. 397.º, n.º 1, do Código do Trabalho, decorre a possibilidade de revogação da resolução do contrato de trabalho, tendo o trabalhador a faculdade de “se arrepender” e revogar a sua decisão de resolução do contrato no prazo de até sete dias após a comunicação ter sido recebida pelo empregador, desde que o faça por meio de comunicação escrita dirigida a este.

Trata-se de um período onde os efeitos da resolução se encontram suspensos e durante o qual, em caso de utilização, pelo trabalhador, da faculdade acima referida, volta a vigorar em pleno o contrato de trabalho.

Por outro lado, nada impede que, nos termos gerais do art. 405.º, n.º 1, do Código Civil, as partes acordem, em qualquer momento, na reentrada em vigor do contrato, ao abrigo do princípio da liberdade contratual.

Feito o devido enquadramento, é importante destacar a particularidade deste caso: i) a repristinação do contrato de trabalho ocorreu devido a uma cláusula presente num contrato-promessa de partilha de bens comuns, resultante do divórcio da trabalhadora e do gerente da empresa, e ii) esta repristinação ficou condicionada ao incumprimento, por parte do gerente, de alguma das obrigações estabelecidas nesse contrato-promessa.

Atento o exposto, para aferir se o contrato vigorava à data, o Tribunal entendeu como crucial o facto de, após o contrato-promessa, terem sido pagos à Autora os salários relativos aos meses de março a junho de 2021.

Com efeito, e como já havia sido referido por aquele em decisão anterior, a prática reiterada de atos de execução de um tipo contratual “pode e deve, segundo um critério prático, ser tomada como comportamento concludente no sentido de ter ocorrido renovação ou repristinação da relação contratual originariamente existente”.

De acordo com o artigo 260.º, n.º 4 do Código das Sociedades Comerciais, “os gerentes vinculam a sociedade, em atos escritos, apondo a sua assinatura com indicação dessa qualidade.” O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) esclareceu, num acórdão uniformizador de jurisprudência, que a indicação da qualidade de gerente pode ser deduzida, conforme o artigo 217.º do Código Civil, a partir de factos que, de forma evidente, demonstrem tal qualidade. No caso em questão, considerando que a Autora e o seu ex-marido são os únicos sócios da sociedade envolvida, e analisando o contexto da celebração do contrato, conclui-se que, no que diz respeito às cláusulas com efeitos na esfera jurídica da sociedade, o ex-marido atuou na qualidade de gerente.

Neste sentido, decidiu o douto Tribunal que  à data da resolução do contrato de trabalho levada a cabo pela Autora em 18.10.2021, o vínculo contratual encontrava-se em vigor, em virtude de as partes terem procedido anteriormente à repristinação do vínculo laboral, com efeitos reportados a 15.02.2021.

Rute Gonçalves Janeiro e Maria Beatriz da Silva @ DCM | Littler