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Exercício de funções por trabalhador sem acesso à categoria: como pagar?

A relação entre actividade contratada, categoria e funções efectivamente exercidas ao abrigo do contrato de trabalho nem sempre é clara e transparente. Um bom exemplo encontra-se no caso recentemente julgado pelo STJ (acórdão de 26/02/25 – Pº 21509/19.7T8LSB.L2.S1), em que se defrontavam uma emissora de televisão e um técnico contratado como produtor e como tal enquadrado na carreira e no nível salarial correspondentes.

Essa qualificação contratual era a que se adequava, nos termos do regime convencional aplicável, ao nível de habilitações literárias e de formação profissional de que o mesmo técnico dispunha. No entanto, a entidade empregadora atribuíu-lhe, desde o início, funções de realizador, categoria e carreira que, de acordo com as normas, requeria um nível de habilitações e de formação superior.

Entretanto, o estatuto remuneratório conferido ao mesmo técnico foi, também desde o início, o correspondente à categoria de produtor, e não à de realizador.

Por outras palavras: no tratamento categorial e salarial escolhido pela entidade empregadora, atribuiu-se relevância decisiva aos requisitos formais, com prevalência sobre a realidade material das funções efectivamente desempenhadas. Dessa maneira, e em simultâneo, a entidade empregadora reconhecia as aptidões reais do trabalhador em causa, cometendo-lhe, a título permanente, funções de uma categoria superior, e obedecia aos requisitos habilitacionais e formativos impostos pelas normas respeitantes a tal categoria, abstendo-se, contudo, de tratar o mesmo trabalhador, nomeadamente em termos salariais, em conformidade com o estatuto dessa categoria superior.

Situações destas abundam, tanto no sector privado como, acima de tudo, no domínio das funções públicas, em que o formalismo impera e domina todas as dimensões reais das situações concretas.

Não sendo de acreditar que as entidades empregadoras prefiram empregar pessoas com défice de conhecimento e formação pelo simples facto de poderem pagar-lhes salários mais baixos, tem que se admitir que, em muitos casos, os requisitos habilitacionais e formativos exigidos para o acesso a certas categorias e níveis de carreiras são inadequados, explicando-se sobretudo por razões de protecção profissional.

No caso concreto, todas as instâncias reconheceram o direito do trabalhador em questão à remuneração correspondente às funções efectivamente exercidas (realizador), embora se abstivessem, por respeito às normas convencionais aplicáveis, de lhe conferir a categoria respectiva e de o inserir no nível de carreira ajustado à situação real.

O resultado é, pois, a perpetuação de uma anomalia: o exercício de funções correspondentes a uma categoria, por um trabalhador sem acesso a essa categoria – embora pago como se a tivesse.

Uma convenção colectiva pode, assim, ser um factor de rigidez, contradizendo a sua função normal de ajustamento das normas às realidades.

António Monteiro Fernandes

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