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Faltas justificadas por endometriose durante o período menstrual: medida inclusiva ou discriminatória?

No dia 27 de março de 2025 foi publicada no Diário da República, a Lei n.º 32/2025, que introduz alterações ao regime laboral vigente, nomeadamente no que respeita à justificação de faltas por pessoas diagnosticadas com endometriose ou adenomiose, durante o período menstrual.

A referida legislação vem proceder à alteração do Código do Trabalho, prevendo, entre outras medidas, o reconhecimento de faltas justificadas motivadas por estas condições clínicas, reforçando, assim, os direitos laborais dos(as) trabalhadores(as) afetados(as).

A nova lei contempla igualmente a comparticipação de terapêuticas específicas destinadas ao tratamento e alívio dos sintomas associados à endometriose e à adenomiose, desde que devidamente prescritas por médico especialista do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Nos termos do novo artigo 252.º-B do Código do Trabalho, passa a ser reconhecida à trabalhadora que padeça de endometriose ou adenomiose, e que sofra de dores graves e incapacitantes durante o período menstrual, a possibilidade de se ausentar do trabalho de forma justificada, até ao limite de três dias consecutivos por mês, sem qualquer penalização em termos de direitos laborais, mantendo assim o direito à retribuição.

Para efeitos de justificação da falta, exige-se a apresentação de prescrição médica que comprove o diagnóstico de endometriose ou adenomiose e a existência de dores incapacitantes associadas à condição. Importa salientar que esta prescrição não necessita de renovação mensal, bastando que seja emitida uma única vez, salvo indicação clínica em contrário.

Apesar do regime especial previsto neste novo artigo, a forma de comprovação do motivo justificativo da falta deve obedecer às disposições gerais constantes do artigo 254.º do Código do Trabalho, que regula a apresentação de prova das faltas justificadas por motivo de doença.

Não obstante os avanços significativos que esta alteração legislativa representa, nomeadamente no reconhecimento de direitos específicos relacionados com doenças que afetam de forma desproporcional a saúde da mulher, importa sublinhar que a implementação prática deste novo regime suscita diversas questões, algumas das quais carecem de clarificação legislativa ou doutrinária.

Entre as dúvidas que emergem, destacam-se as seguintes:

  • Âmbito subjetivo da norma – A redação legal refere-se expressamente à “trabalhadora”, o que pode levantar dúvidas quanto à sua aplicação a pessoas transgénero, que, ainda assim, experienciem ciclos menstruais e sintomas associados. Será esta uma limitação intencional ou um reflexo de linguagem desatualizada, carecendo de interpretação extensiva ou correção legislativa?
  • Requisitos da prescrição médica – A norma exige prescrição médica que ateste a existência de endometriose ou adenomiose com “dores incapacitantes”. Todavia, permanece por esclarecer se será exigível que o documento médico mencione expressamente o carácter “grave e incapacitante” da dor, ou se bastará a referência à incapacidade funcional. A ausência desta qualificação poderá comprometer a validade da justificação da falta?
  • Encargo da retribuição durante a ausência – Ao prever a manutenção da retribuição durante os dias de falta justificada, sem qualquer referência ao regime de proteção social, coloca-se a questão de saber se será o empregador exclusivamente responsável pelo pagamento desses dias ou se deveria existir um modelo de partilha de encargos com a Segurança Social, à semelhança do que sucede com as faltas por motivo de doença.
  • Eventual inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade – A consagração de um regime especial para a endometriose e adenomiose, embora justificada pela sua especificidade clínica e impacto social, poderá suscitar dúvidas quanto à sua conformidade com o princípio da igualdade. Com efeito, outras patologias igualmente incapacitantes — como a síndrome do intestino irritável, que afeta cerca de 14% da população portuguesa, ou a enxaqueca, que, segundo dados da Organização Mundial da Saúde, afeta entre 12 a 15% da população mundial — não beneficiam de um regime equivalente de proteção laboral. Estará o legislador, ao adotar um regime diferenciado, a incorrer numa discriminação negativa de outros doentes crónicos?

Estas interrogações evidenciam a necessidade de um maior esclarecimento por parte do legislador, sob pena de a norma, ainda que bem-intencionada, se revelar de difícil aplicação prática e, em última instância, de duvidosa constitucionalidade.

Aguardaremos por mais desenvolvimentos nesta matéria.

Cláudio Rodrigues Gomes | Ana Isabel Figueiredo

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