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BlogDireitos e deveres

Ainda sobre o cômputo das faltas por falecimento de um familiar

By 23 Dezembro, 2024Dezembro 30th, 2024No Comments

No pretérito dia 23 de outubro de 2024, o Tribunal da Relação de Lisboa pronunciou-se sobre a forma de cômputo dos dias que o trabalhador pode faltar por falecimento de um familiar, tendo concluído que a norma do artigo 251.º do Código do Trabalho (CT) deve ser interpretada no sentido de se referir a “dias consecutivos” de calendário, independentemente de serem dias de trabalho ou de descanso semanal ou feriados.

O juízo encetado diverge do entendimento do Recorrente, suportado na posição da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), por seu turno fundamentada em doutrina e jurisprudência minoritária, a qual sustenta que o número de “dias consecutivos” em que o trabalhador pode faltar justificadamente exclui os dias de descanso intercorrentes.

Esta posição assenta no argumento de que no artigo 251.º do CT está ínsita a noção de falta constante do artigo 248.º do mesmo diploma, apenas podendo estar em causa “dias consecutivos” em que o trabalhador estivesse obrigado a comparecer ao trabalho. O sentido útil do artigo 251.º seria, portanto, apenas o de esclarecer que aquele não está autorizado a interromper o período de tempo a que tem direito, interpolando dias de trabalho.

Não obstante, o Tribunal da Relação de Lisboa adotou um posicionamento distinto, sustentado, nomeadamente, nos seguintes fundamentos:

  1. Interpretação literal e histórica: o legislador utilizou consistentemente a expressão “dias consecutivos” ao longo das sucessivas legislações, sempre com o sentido de dias seguidos de calendário;
  2. Interpretação sistemática: outras disposições, como as relativas à falta por luto gestacional (artigo 38.º-A do CT), falta para assistência a neto (artigo 50.º do CT) utilizam a mesma terminologia de “dias consecutivos”, sem excluir os dias de descanso.
  3. Finalidade da norma: o objetivo das faltas justificadas por luto é conceder um período razoável para o trabalhador lidar com o acontecimento, independentemente de serem dias de trabalho ou de descanso. Diferenciar trabalhadores com base nos dias de descanso intercorrentes criaria situações de desigualdade e injustiça, violadoras dos princípios constitucionais da igualdade e dignidade dos trabalhadores perante a lei.

Em desabono da tese do Recorrente, vide ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de abril de 2023, proferido no processo n.º 11379/21.0T8PRT.P1.S1, sobre o qual, inclusive, já nos havíamos debruçado (consulte aqui).

Por fim, referir que, não obstante esta decisão reafirmar a interpretação tradicional da expressão “dias consecutivos” no contexto do Código do Trabalho, a divergência de entendimentos, especialmente entre a ACT e os Tribunais, justifica a necessidade de um acompanhamento atento, dado o impacto prático desta questão na vida dos trabalhadores e das entidades empregadoras.

Manter-nos-emos atentas a novos desenvolvimentos!

 

Ana Amaro | Rute Gonçalves Janeiro @ DCM | Littler