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Férias a tempo parcial?

By 7 Agosto, 2024No Comments

Antecipa-se que o presente artigo não tem por escopo o sentido da pergunta enunciada que poderia propender para a abordagem de tema relacionado com gozo de férias acompanhado do som ambiente e relaxante de notificações de trabalho.

Antes, o que motiva a persente partilha, prende-se com o repescar de uma questão que parece ainda não ter, na prática, o esclarecimento cabal necessário à sua fácil e inequívoca resolução: afinal, como se contabiliza o tempo de duração do período de férias a que têm direito os trabalhadores a tempo parcial?

Se a pergunta não parece ser polémica no caso de trabalhadores a tempo parcial que trabalhem todos os dias, menos horas por dia, e que gozem de dois dias de descanso semanal, já parece sê-lo no caso dos trabalhadores a tempo parcial que, por hipótese, trabalhem apenas um dia por semana ou que, pelo menos, não trabalhem mais do que dois dias por semana. A nossa análise focar-se-á na tentativa de resposta a estas últimas hipóteses.

Como ponto de partida, poder-se-á recorrer a duas premissas que julgamos pertinentes para daí partir para uma possível solução que vá ao encontro e que seja conforme ao espírito da lei.

Desde logo, olhando ao regime que regula o trabalho a tempo parcial, os seguintes aspetos sobressaem do regime legal: i) “O trabalhador a tempo parcial não pode ter tratamento menos favorável do que o trabalhador a tempo completo em situação comparável, a menos que o tratamento diferente seja justificado por razões objetivas, que podem ser definidas por instrumento de regulamentação coletiva” (cfr. artigo 15.4º, n.º 2 do Código do Trabalho – “CT”); ii) em sede de regulação do pagamento de subsídio de refeição a trabalhadores a tempo parcial, dever-se-á aplicar uma regra de proporcionalidade, considerando o período normal de trabalho, quando o mesmo tenha duração inferior a cinco horas diárias (cfr. idem, agora no seu número 3, al. b), in fine) – destacados nossos.

Dos aspetos enunciados, poderemos, desde logo, retirar como princípios de base para o tratamento do tema os princípios da igualdade e da proporcionalidade. Mas aplicar-se-ão os dois, na mesma medida e, em particular, no que ao direito a férias concerne? Vejamos, então.

De facto, dever-se-á, antes de mais, olhar ao regime legal aplicável:

i) em primeiro lugar, nos termos do disposto no artigo 237.º, n.º 2 do Código do Trabalho (doravante somente designado por “CT”), o direito a férias “não está condicionado à assiduidade ou efectividade de serviço.” (destacado nosso).

ii) Em segundo lugar, o artigo 238.º, n.º 1 do CT, que determina a fixação do período anual de férias no mínimo de 22 dias úteis, esclarecendo o n.º 2 do mesmo preceito que se consideram dias úteis “os dias da semana de segunda-feira a sexta-feira, com exceção de feriados”.

iii) Já no artigo 239.º do CT, sob a epígrafe “Casos especiais de duração do período de férias”, o legislador veio elencar um conjunto de situações excecionais que derrogam a norma geral supramencionada do artigo 238.º, n.º 2 do CT, desde já se salientando que de tal rol não fez o legislador constar qualquer indício/menção à circunstância de um trabalhador prestar a sua atividade em regime de trabalho a tempo parcial, podendo (e devendo) tê-lo feito, fosse essa a sua intenção. Relembramos que nos termos gerais de Direito aplicáveis (artigo 9.º, n.º 2 do Código Civil), “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”.

iv) Nos termos do disposto no artigo 7.º, n.º 1 da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003 relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho é estabelecido um mínimo de 4 (quatro) semanas de férias remuneradas para todos os trabalhadores, independentemente de prestarem a sua atividade em regime de tempo integral ou parcial.

O que dizer?

Numa primeira conclusão, e olhando à interpretação literal e sistemática dos preceitos suprarreferidos, parece ser de considerar que um trabalhador, embora a tempo parcial, terá direito a um mínimo de 22 dias de férias por ano.

Por outro lado, e não obstante não se tratar exatamente da questão sobre a qual aqui divagamos, mas do qual poderemos retirar ilações para uma possível resposta, veja-se o entendimento propendido pelo Ac. do TRP de 05.03.2018 (Proc. n.º2348/17.6T8OAZ.P1, Relator: Rita Moreira disponível aqui). O Venerando Tribunal entendeu que não deve retirar-se da interpretação do disposto no artigo 238.º, n.º 3 do CT, a conclusão de que no caso de trabalhador que apenas goze de um dia de descanso semanal, só serão contabilizados os dias em que efetivamente este(a) trabalha, pois que segundo tal interpretação estar-se-ia a aplicar uma solução atentatória do princípio da igualdade.

Por outras palavras, e baseando-nos no entendimento do Acórdão  não será de aplicar uma regra de proporcionalidade para efeitos do cômputo do número de dias de férias a que um trabalhador que apenas goza de um dia de descanso semanal (ou, por hipótese, até goza de mais do que dois dias de descanso semanal) tem direito, pois que, ao fazê-lo, estar-se-ia ou a prejudicar ou a beneficiar o trabalhador mediante o número de dias de trabalho semanal, sendo certo que a  lei é expressa em não fazer depender do tempo de trabalho efetivo a constituição do direito a férias.

Assim, e não esquecendo o tema do trabalhador a tempo parcial, não será de aplicar a lógica que é seguida pela lei para efeitos de pagamento do subsídio de refeição aos trabalhadores que prestam a sua atividade nesse regime e cujo período normal de trabalho diário seja inferior a 5 horas.

No mesmo Acórdão, contudo, e quanto ao âmbito de aplicação do artigo 238.º, n.º 3 do CT, o  Tribunal da Relação cita a posição já defendida sobre o tema em análise por Milena Silva Roxinol (em “O direito a férias do trabalhador, IDET – Instituto de Direito das Empresas e do Trabalho, Caderno n.º 8, Almedina, páginas 20 a 23), referindo, quanto ao disposto no n.º 3 do artigo 238.º do CT que “a norma só se aplica – esse o seu estrito âmbito de aplicação – se os dias de descanso do trabalhador em causa, não sendo sábado e domingo, forem dois, caso em que serão os outros cinco os tidos como úteis para efeitos da contagem”.

Com efeito, o referido preceito determina que quando os dias de descanso do trabalhador, coincidam com dias úteis (entendidos aqui como dias “de trabalho para ele” – seguindo a posição de António Monteiro Fernandes, citada no referido Acórdão), “são considerados para efeitos do cálculo dos dias de férias, em substituição daqueles, os sábados e domingos que não sejam feriados”.

A mesma Autora, ainda citada no referido Acórdão, sustenta que: “o trabalhador que, por exemplo, descanse apenas à quarta-feira continuaria, por não se aplicar o n.º 3, a ver as respectivas férias contadas nos termos do n.º 2, como se o sábado e domingo fossem os seus dias de descanso”.

Assim, o âmbito de aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 238.º do CT visa, tão-só, adaptar a regra geral do n.º 2 do mesmo preceito, às situações de trabalhadores que prestam a sua atividade em regime de turnos, ou que tão-só i) gozem de dois dias de descanso semanal e ii) tais dias não sejam coincidentes com sábado e domingo. Trata-se de uma ficção jurídica.

Mas então, o que dizer do trabalhador a tempo parcial?

Da nossa parte, e considerando o exposto até esta parte, divaguemos:

  • Quanto ao âmbito de aplicação do artigo 238.º, n.º 3 do CT, tenderemos a concordar com o entendimento descrito, parecendo ser o único objetivo útil da norma facultar orientação para a aplicação da regra geral do nº 2 aos trabalhadores cujos dois dias de descanso semanal não coincidam com o sábado e o domingo;
  • Quanto aos trabalhadores que apenas gozem de um dia de descanso semanal ou de mais do que dois dias de descanso semanal, dever-se-á ter por aplicável a regra geral do n.º 2 do mesmo preceito;
  • Quanto aos trabalhadores a tempo parcial, julgamos que apenas fará sentido aplicar a regra geral do n.º 2 do artigo 238.º do CT, determinando-se o cumprimento pelo princípio da igualdade, não se atribuindo menos dias de férias, numa lógica de proporcionalidade, do que os que seriam atribuídos a um trabalhador a tempo integral;
  • Como vimos, o legislador, tendo tido oportunidade de contemplar os trabalhadores a tempo parcial, no âmbito das exceções do artigo 239.º do CT optou por não o fazer.
  • Deste modo, a assim não se entender, poderíamos, por hipótese, concluir que um trabalhador que apenas trabalhe um dia por semana, tendo direito a 22 dias úteis de férias por ano, e que só tirasse férias nos dias de trabalho, poderia estar 5 meses e meio de férias, acabando por ter um período de férias até mais extenso do que um trabalhador a tempo inteiro.

Com efeito, conforme se adiantou, a interpretação a retirar do artigo 238.º, n.º 3 do CT e que tem sido reiterada pelos nossos tribunais, é a de que no caso dos trabalhadores a tempo parcial cujos dias de descanso coincidam com dias úteis na aceção dada pelo n.º 2 do mesmo preceito, devem ser substituídos pelos reais dias de descanso.

Assim, e salvo melhor entendimento, não será de se aplicar a um trabalhador em regime de tempo parcial o disposto no n.º 3 do artigo 238.º do CT, mas tão-só o disposto no n.º 2 do mesmo preceito, ficcionando-se que este(a) não trabalha apenas ao sábado e domingo. Já nos casos em que o trabalhador, por hipótese, apenas preste trabalho um dia por semana, se pretender gozar férias numa determinada semana, despenderá de 5 dias de férias para o cômputo dos 22 dias, e não apenas de 1 dia, pese embora só trabalhe um dia da semana.

Rui Rego Soares @ DCM | Littler