A regulação jurídica do tempo de trabalho tem uma relação muito próxima e indispensável com a proteção dos interesses fundamentais dos trabalhadores.
A Constituição da República Portuguesa garante, no seu art. 59º/1/b), o princípio da conciliação entre a atividade profissional e a atividade familiar, o qual é assegurado no art. 56.º do sistema normativo infraconstitucional (Código do Trabalho), com a estipulação do horário flexível de trabalhador com responsabilidades parentais.
O artigo referido do Código de Trabalho (Lei nº7/2009, de 12 de fevereiro) estabelece uma medida que pretende salvaguardar um período de tempo livre destinado a trabalhadores que tenham, designadamente, um filho com idade inferior a 12 anos, podendo este direito ser exercido por apenas um dos progenitores ou por ambos (caso ambos sejam trabalhadores e desejem este regime).
Em que consiste este horário flexível? Como é que o mesmo se determina?
A definição de “horário flexível” é que a consta do n.º 2 do art. 56.º do Código de Trabalho. É uma modalidade do horário de trabalho (arts. 200.º e 198.º do CT), um horário em que o trabalhador pode escolher as horas de início e término do período normal de trabalho diário, dentro de certos limites definidos pela empresa.
O empregador tem o dever de proporcionar ao trabalhador as condições de trabalho que favoreçam a conciliação da atividade profissional com a vida familiar e pessoal (art. 127.º CT), definindo o horário de trabalho, de modo a facilitar a mesma (art. 212º/2/b) CT).
Para tal, o empregador, ao elaborar o horário flexível, deverá fixar um ou dois períodos de presença obrigatória, sendo este(s) período(s) de apenas metade do período normal do trabalho diário (al. a) do n.º 3 do art. 56.º do CT). Assim, tendo por exemplo um trabalhador que trabalha 8 horas diárias, 4 dessas horas têm de ter um período fixo. Todavia, estes períodos podem ser divididos, por exemplo das 10h às 12h (2 horas) e das 14h às 16h (2 horas). O restante período normal de trabalho diário poderá ser gerido conforme as conveniências do trabalhador, nos termos previstos no n.º 4 do artigo em causa.
O empregador deverá também indicar os períodos para início e termo do trabalho normal diário, cada um correspondendo, pelo menos, a um terço do período normal de trabalho diário (al. b) do n.º 2 do art. 56.º do CT). De notar que esta duração pode ser reduzida, para respeitar o período de funcionamento do estabelecimento. Deste modo, podemos atentar novamente ao exemplo de um trabalhador com um período diário de trabalho de 8 horas, para considerar que o período de início pode ser estabelecido das 8h às 11h, e o período de término das 16h às 19h.
O horário flexível deverá ainda incluir, por parte do empregador, um intervalo de descanso com duração máxima de duas horas (por exemplo, das 12:30 às 14:00).
O descanso semanal não é abordado, contudo, no art. 56.º, podendo o empregador fixar os dias em que os trabalhadores com responsabilidades familiares podem gozá-los, sempre dentro dos termos legais e contratuais.
Obrigatoriedade do regime perante a entidade empregadora?
Se o empregador violar o direito ao horário flexível estabelecido no n.º 1 do art. 56.º do CT estará sujeito a uma contraordenação grave (art.548º do CT).
No entanto, a lei salvaguarda determinados casos em que o empregador pode recusar o pedido, nomeadamente com fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa ou na impossibilidade de substituir o/a trabalhador/a se este for indispensável (n.º 2 do art. 57.º do CT). Ora, isto acautela os casos devidamente demonstrados em que haja períodos de funcionamento do serviço que não ficam devidamente assegurados.
Assim, a entidade empregadora não tem, impreterivelmente, de aceitar o pedido, nem tal pedido constitui, por si só, uma alteração unilateral do horário de trabalho.
Será este um regime realmente benéfico?
Poderia pensar-se numa eventual repercussão por parte da entidade empregadora por o trabalhador com responsabilidades familiares adotar este regime. Contudo, a lei protege-o contra discriminações ou prejuízo, como decorre do n.º 5 do art. 56.º do CT.
Este regime permite que os trabalhadores obtenham uma organização mais favorável do tempo de trabalho, conciliando o mesmo com a sua atividade familiar, nunca esquecendo a necessidade de acautelar também e em certa medida a posição do empregador quanto às situações em que o regime pode ser recusado.
Bruna Figueiredo, estudante do 4.º ano do curso de licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra