O regime dos horários flexíveis tem promovido um intenso debate recente na nossa jurisprudência. Com efeito, trata-se de um regime que assegura um direito aos trabalhadores com filhos com idade inferior a 12 anos de solicitarem ao seu empregador um horário compatível com a sua gestão familiar. Este direito depende de um mero requerimento onde o trabalhador identifica que o menor integra o seu agregado familiar. Consequentemente, no prazo de 20 dias, o empregador deverá comunicar ao trabalhador o deferimento do requerimento ou a recusa devidamente fundamentada. Em caso de recusa, o empregador tem de enviar para apreciação da CITE (Comissão para a Igualdade e Emprego) que deverá apresentar um parecer favorável ou desfavorável. Havendo lugar a parecer negativo, o empregador não pode fazer valer a sua recusa até ter uma decisão judicial favorável aos motivos apresentados.
Este regime tem o mérito de garantir que os trabalhadores com filhos pequenos possam prestar-lhes o apoio necessário, condicionando o horário de trabalho perante o empregador. No entanto, a atribuição deste horário pode trazer alguns inconvenientes na gestão dos horários por parte das empresas ou promover alguns conflitos laborais nas equipas de trabalho, uma vez que o cumprimento do requerimento pode implicar alterações de horários para outros trabalhadores. Ou seja, este é um direito atribuído aos trabalhadores que não impõe a existência de uma necessidade objetiva.
Uma questão que tem assumido alguma controvérsia na jurisprudência consiste no conceito do direito. O art. 56.º do Código do Trabalho determina que o horário flexível, a elaborar pelo empregador, deve: (i) conter um ou dois períodos de presença obrigatória, com duração igual a metade do período normal de trabalho diário; (ii) indicar os períodos para início e termo do trabalho normal diário, cada um com duração não inferior a um terço do período normal de trabalho diário, podendo esta duração ser reduzida na medida do necessário para que o horário se contenha dentro do período de funcionamento do estabelecimento; e (iii) estabelecer um período para intervalo de descanso não superior a duas horas. No entanto, a maioria da jurisprudência recente tem alinhado numa interpretação aparentemente contra legem no sentido de que pode ser o trabalhador a determinar por requerimento a atribuição de um horário fixo.
Acontece que o Tribunal da Relação de Guimarães parece ter iniciado uma nova tendência no acórdão de 11.07.2024. De acordo com esta decisão, o mecanismo estabelecido por este regime é um mecanismo de conciliação entre a atividade profissional e a vida familiar, com a finalidade de permitir ao trabalhador o cumprimento das suas responsabilidades familiares. No entanto, apesar deste contexto, entende este tribunal que o regime não permite ao trabalhador definir os concretos termos em que pretende desenvolver a sua atividade, uma vez que esses ficam por conta do empregador, pois a determinação do horário de trabalho é uma manifestação do poder de direção do empregador, com os limites legais previstos nos art.º 212.º e 97.º do Código do Trabalho. Por outro lado, este acórdão faz uma interpretação literal da lei, quando determina que não está abrangido por este regime a fixação de um horário fixo por solicitação do trabalhador. Na verdade, aceitar que um horário flexível tenha uma natureza fixa, é a negação do seu propósito. Assim, seguindo este raciocínio, resulta do acórdão a solução à situação concreta: “No caso não é possível observar esses parâmetros exigidos pela lei, uma vez que o horário solicitado é um horário fixo e rígido imposto pela trabalhadora, que não permite qualquer adaptação ou flexibilidade, pois estando nele prevista a prestação de 8 horas de trabalho diário de segunda a sexta-feira das 9.00 às 17.30, com 30 minutos de pausa, não se vislumbra, como possa o empregador dar cumprimento ao prescrito no n.º 3 do art.º 56 do CT de forma a obter um horário flexível”.
Entendemos que a decisão do Tribunal da Relação de Guimarães vai no caminho certo e aplicou de forma rigorosa o regime dos horários flexíveis em vigor em Portugal. Reconhecendo-se que se trata de uma decisão contraciclo, admite-se que se possa assumir como uma nova tendência. Aguardemos pelas próximas decisões para confirmar se assim será.
A equipa DCM | Littler