Skip to main content
Blog

Navegando pelos astros: o parecer da PGR sobre as greves dos professores

By 20 Fevereiro, 2023No Comments

O Parecer nº 1/2023 do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República (CC/PGR), conhecido há poucos dias, procurou dar resposta às várias questões suscitadas pelas greves de professores organizadas , desde os últimos meses do ano passado, pelo STOP – Sindicato de Todos os Profissionais da Educação, e que determinaram uma consulta por parte do Ministro da Educação.

O Parecer em causa tem um valor jurídico relativo: se for homologado pelo Ministro consulente, tornar-se-á orientação a seguir por parte dos serviços que dele dependem, e nada mais. É claro que o prestígio dessa instância consultiva confere às suas opiniões uma relevância doutrinal diferenciada, mas não o carácter vinculativo das decisões judiciais.

O problema está também na extrema escassez da jurisprudência portuguesa sobre o conteúdo e o exercício do direito de greve, em contraste absoluto com o sucede nos países mais próximos.

As inúmeras questões deixadas (porventura intencionalmente) em aberto pelo legislador acabam por dar origem a debates doutrinais mais ou menos inconsequentes, em que pesam, forçosamente, embora em medidas muito variáveis, as sensibilidades e as tendências ideológicas dos participantes.

No caso das greves a que se refere o Parecer nº 1/2023, estava-se perante uma sucessão de pré-avisos diários, alusivos “a todo o serviço durante o período de funcionamento correspondente ao dia decretado”. Mas, por outro lado, o Sindicato emitiu instruções aos associados , no sentido de que poderiam, se quisessem, parar todo o dia, ou só no seu início, retomando a presença nas respetivas escolas para o tempo restante.

A situação assim criada – que levou ao encerramento de várias escolas – mereceu, por parte do CC/PGR, a qualificação de ilegalidade, sobretudo com base na desconformidade entre a informação constante dos pré-avisos e aquele que veio a ser o procedimento generalizado dos aderentes, na sequência das indicações do STOP.

A situação não suporta uma análise linear. Cruzam-se sobre ela parâmetros jurídicos não convergentes, a começar pela exigência de boa-fé que a lei dirige às partes num conflito coletivo de trabalho (art. 522º do CT).

Desde logo, o requisito do pré-aviso tem um sentido que é o de informar os interessados acerca do que vai acontecer, implicando uma correspondência básica com os tipos de comportamentos pelos quais a greve será exercida pelos aderentes. Mas que grau de correspondência é exigível? Nada de claro deriva da lei a este propósito – as respostas são necessariamente dedutivas e, portanto, de validade contingente.

Depois, há que considerar que o direito de greve envolve, para cada trabalhador interessado, um certo grau de liberdade de escolha dos tempos em que, sob a cobertura do pré-aviso, exercerá esse direito. Perguntar-se-á de novo: esta liberdade não comporta nenhum limite? Que restará da greve como fenómeno coletivo se se manifestar como um mero somatório de condutas individuais e fragmentárias?

Enfim, há também que diferenciar as greves atípicas em que estão programadas (conforme o pré-aviso) paragens parciais articuladas ou não, daquelas outras que se anunciam como paralisações totais e acabam por ser fracionadas em função de tempos de adesão individual diferentes, não programados e imprevisíveis. Uma questão que a propósito destas últimas se pode levantar é a de saber se a entidade empregadora tem a obrigação de aceitar as prestações de trabalho “residuais” que os aderentes à greve lhe ofereçam, mesmo se tiver desaparecido toda a utilidade dessas prestações (exemplificando: por ausência de alunos e encerramento das escolas).

São algumas, apenas algumas, das dificuldades que a concretização do direito de greve, com o perfil constitucional existente, continua a ocasionar.

Continuaremos, neste domínio, a navegar pelos astros, à falta de seguras e precisas coordenadas legais e constitucionais.

António Monteiro Fernandes @  Of Counsel, DCM | Littler