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Novidades sobre a citação eletrónica – sou obrigado a registar um endereço de correio eletrónico?

By 26 Novembro, 2024Novembro 28th, 2024No Comments

Foi recentemente publicado o Decreto-Lei n.º 87/2024, de 7 de novembro, com novidades quanto às regras aplicáveis à citação eletrónica judicial.

Trata-se de um diploma que entrou em vigor no dia 10 de novembro, o que significa que é urgente ponderar as repercussões práticas das alterações introduzidas, sobretudo porque o diploma é aplicável a processos pendentes e não apenas a processos que venham a ser instaurados no futuro. Contudo, parte das alterações apenas produzirão efeitos mediante regulamentação a publicar, como seguidamente será analisado.

Deve referir-se que a citação eletrónica já estava prevista no art. 225.º do Código de Processo Civil (CPC) enquanto modalidade de citação pessoal. Contudo, a anterior redação do art. 225.º, n.º 2, al. a) remetia para uma portaria que acabaria por não ser publicada. O novo Decreto-Lei altera o estado de coisas e dá um novo impulso à citação eletrónica.

As alterações agora introduzidas têm um impacto muito diferente consoante estejamos perante um citando pessoa singular ou pessoa coletiva. No caso das pessoas singulares, o regime é totalmente facultativo e visa facilitar o recebimento da citação do ponto de vista do citando. Se o citando aderir à citação eletrónica, vê garantida a possibilidade de recebimento da nota de citação sem estar dependente da presença física (sua ou de terceiro) na morada de residência. Contudo, o insucesso da citação eletrónica (associado à falta de consulta dos documentos disponibilizados na área digital) não acarreta consequências preclusivas e determina apenas que as diligências para citação prossigam com a tentativa de citação pessoal por contacto pessoal. No caso das pessoas coletivas é diferente. A pessoa coletiva citanda, querendo ou não, fica onerada com a necessidade de desenvolver diligências (designadamente o registo do endereço de correio eletrónico e a iniciativa de acesso à área digital) para garantir que toma conhecimento efetivo da nota de citação e dos documentos que a acompanham.

As novidades normativas assetam essencialmente em alterações ao CPC. Dada a diferença de regimes, essas alterações devem ser analisadas sistematizando separadamente indicações quanto a pessoas singulares e quanto a pessoas coletivas.

Pessoas singulares

No caso de pessoas singulares, a primeira grande nota de destaque diz respeito ao facto de estar em causa um regime totalmente opcional. Ou seja, cabe à pessoa singular manifestar ativamente a opção por aderir à citação eletrónica. Se não o fizer, a citação efetua-se nos termos gerais (art. 230.º-A, n.º 1 do CPC).

Se essa opção for feita, a citação efetua-se por meio de disponibilização do respetivo teor em área digital de acesso reservado ao citando (art. 230.º-A, n.º 2 do CPC). Com a disponibilização, é enviado, para o endereço de correio eletrónico previamente registado, um aviso com a identificação do tribunal e do processo a que respeita e com a indicação da forma de acesso à área reservada do citando (art. 230.º-A, n.º 4 do CPC). O sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais certifica a data da disponibilização da citação na área reservada e a data da consulta eletrónica da citação na referida área (art. 230.º-A, n.º 5 do CPC).

Se a citação não for consultada até ao oitavo dia posterior ao da sua disponibilização na área reservada, é enviado para a residência ou local de trabalho do citando, por via postal, o aviso previamente também enviado por correio eletrónico (art. 230.º-A, n.º 6 do CPC). Se não for possível deixar aviso ao destinatário, o distribuidor do serviço postal lavra nota da ocorrência e devolve o expediente ao tribunal. Mantendo-se a situação de não consulta até ao trigésimo dia, presume-se ter havido recusa de recebimento, seguindo-se a citação por agente de execução (art. 230.º-A, n.os 7 e 9 do CPC).

Se a citação for consultada em momento posterior ao 30.º dia mas antes de ter sido concretizada por outro meio (designadamente por contacto pessoal do agente de execução), a citação considera-se efetuada na data da consulta (art. 230.º-A, n.os 9 e 10 do CPC).

A citação por via eletrónica considera-se feita na data da consulta eletrónica na área digital de acesso reservado, tem-se por efetuada na pessoa do citando e no lugar do seu domicílio (art. 230.º-B do CPC).

As regras da citação eletrónica não são aplicáveis se vigorar convenção de domicílio para efeitos de citação judicial (art. 230.º-A, n.º 12 do CPC).

Da análise do regime resulta o que já anteriormente se referiu. Isto é, no caso de pessoas singulares, ainda que tenha havido adesão à citação eletrónica pelo citando, a falta de consulta da citação na área reservada não acarreta verdadeiramente uma consequência prejudicial do ponto de vista da posição do citando, seguindo-se as diligências subsequentes para concretização da citação por outra via.

Pessoas coletivas

A citação das pessoas coletivas é regulada pelo art. 246.º do CPC, artigo que sofreu alterações importantes com a publicação do Decreto-Lei n.º 87/2024, de 7 de novembro.

Com a nova lei, a citação passa a ser feita, em regra, pela via da citação eletrónica, dependendo do registo, pela pessoa coletiva, do endereço de correio eletrónico que pretende associar à sua área digital de acesso reservado (arts. 246.º, n.º 6 e 230.º-A, n.º 1 do CPC).

E como opera a citação por via eletrónica? Por meio de disponibilização da citação em área digital de acesso reservado à citanda, associada ao endereço de correio eletrónico que esta haja registado (art. 230.º-A, n.º 2 do CPC). Com a disponibilização da citação, é também enviado um aviso para o endereço de correio eletrónico registado, com a identificação do tribunal de onde provém e o processo a que respeita e indicando-se a forma de acesso à área reservada do citando (art. 230.º-A, n.º 4 do CPC). A data da disponibilização da citação e a data da consulta são certificadas pelo sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais (art. 230.º-A, n.º 5 do CPC).

A citação por via eletrónica considera-se feita na data da consulta eletrónica na área digital de acesso reservado, no lugar correspondente à sede da citanda e tem-se por efetuada na pessoa da própria citanda (art. 230.º-B, n.os 1 e 2 do CPC).

Se a citação não for consultada até ao 8.º dia posterior àquele em que foi disponibilizada:

  1. é enviado para a sede inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas um aviso semelhante ao que já tinha sido enviado por correio eletrónico (isto é, aviso contendo a identificação do tribunal e do processo a que respeita e indicando-se a forma de acesso à área reservada do citando) (arts. 230.º-A, n.º 6 e 246.º, n.º 10 do CPC), sendo certo que, se não for possível deixar o aviso, o distribuidor do serviço postal lavra nota da ocorrência e devolve o expediente ao tribunal (art. 246.º, n.º 8 do CPC);
  2. o sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais certifica a não consulta, presumindo-se que o destinatário teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados, e a citação considera-se efetuada nessa data (art. 246.º, n.º 11 do CPC).

Conclui-se que é da citanda o ónus de aceder à área reservada e que a citação se considera efetuada independentemente de ter ou não ocorrido acesso efetivo.

E se a pessoa coletiva não efetuar o registo do endereço de correio eletrónico? Isso significa que não será possível enviar o aviso da citação para o endereço de correio eletrónico. Nessa hipótese, é feita uma segunda tentativa de citação, por via postal, através do envio à citanda de carta registada com aviso de receção. O distribuidor do serviço postal deve deixar a própria carta e certificar a data e o local exato em que depositou o expediente, remetendo de imediato a certidão ao tribunal. Se não for possível deixar a carta, o distribuidor deixa um aviso nos termos do n.º 5 do artigo 228.º. A citação considera-se efetuada na data certificada pelo distribuidor do serviço postal ou, no caso de ter sido deixado o aviso, no 8.º dia posterior a essa data, presumindo-se que o destinatário teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados.

Por outro lado, ao prazo perentório associado à citação acresce dilação de 30 dias (arts. 246.º, n.º 9, 229.º, n.º 5 e 230.º, n.º 2 do CPC). Contudo, trata-se de um prazo de dilação que não é fixo. Se a citação for consultada eletronicamente nos 30 dias posteriores à data em que esta se considera efetuada, o prazo de defesa começa a contar a partir dessa consulta, considerando-se os dias já decorridos como a dilação desse prazo. Ou seja, em termos práticos, o prazo de dilação pode ser inferior aos 30 dias máximos se a citanda consultar, entretanto, na área digital os documentos que foram disponibilizados.

Finalmente, o citando será ainda responsável pelo pagamento de 51,00 eur. a título de taxa de justiça (arts. 246.º, n.º 9 do CPC e 9.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais [RCP]).

As regras da citação eletrónica não se aplicam:

  1. a pessoas coletivas não sujeitas a registo obrigatório do Registo Nacional de Pessoas Coletivas (art. 246.º, n.º 5 do CPC);
  2. a situações contratuais em que tenha sido convencionado o domicílio das partes para efeitos de citação (art. 246.º, n.º 12 do CPC);
  • quando estiver implementada, para efeitos de citação, a interoperabilidade entre o sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais e o sistema de informação utilizado pela citanda, o que depende de tal se encontrar previsto em protocolo celebrado entre a pessoa coletiva e o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. (art. 246.º, n.º 14 do CPC).

Entrada em vigor, período transitório e produção de efeitos

Apesar de o Decreto-Lei n.º 87/2024, de 7 de novembro, ter entrado em vigor no dia 10 de novembro de 2024 (respetivo art. 18.º) e apesar de as alterações preconizadas produzirem efeitos mesmo em relação a processos pendentes (art. 16.º, n.º 1), parte dessas alterações dependem da publicação de diploma de regulamentação, como decorre dos arts. 230.º-A, n.os 1 e 3 do CPC. Ao diploma, que deverá ser aprovado no prazo de 90 dias (art. 14.º do Decreto-Lei n.º 87/2024, de 7 de novembro), competirá essencialmente:

  1. regular o registo de endereços de correio eletrónico para efeitos de realização da citação eletrónica;
  2. definir a criação da área digital, as condições de funcionamento e a entidade responsável pela sua gestão, bem como regras de acesso.

Por outro lado, a lei estabelece um período transitório nos 6 meses posteriores ao dia 10 de novembro de 2024, data de entrada em vigor da nova lei. Durante esse período, se não for possível efetuar o envio de citações por via eletrónica devido à falta de registo, pela pessoa coletiva citanda, do endereço de correio eletrónico, a citação é efetuada nos termos gerais, com as seguintes especificidades:

  1. se for recusada a assinatura do aviso de receção ou o recebimento da carta por representante legal ou funcionário da citanda, o distribuidor postal lavra nota do incidente antes de a devolver e a citação considera-se efetuada face à certificação da ocorrência;
  2. nos restantes casos de devolução do expediente, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de receção à citanda que é deixada pelo distribuidor do serviço postal, certificando este a data e o local exato em que depositou o expediente e remetendo de imediato a certidão ao tribunal; não sendo possível o depósito da carta na caixa do correio do citando, o distribuidor deixa um aviso. A citação considera-se efetuada na data certificada pelo distribuidor do serviço postal ou, no caso de ter sido deixado o aviso, no 8.º dia posterior a essa data, presumindo-se que o destinatário teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados.

 

Nuno Abranches Pinto | Advogado | Partner @ DCM Littler | Coimbra

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