Muitos são os casos de atletas de alta competição que são castigados pelo uso de doping, substâncias ilícitas que alteram o modo como o corpo reage a certos estímulos sendo, na maioria dos casos, utilizado para potenciar o rendimento, força, agilidade ou até mesmo a perda de peso de uma forma artificial e rápida.
Contudo, de que forma é que tal afeta a relação laboral no âmbito do contrato de trabalho de um praticante desportivo?
Como já abordámos por diversas ocasiões, o contrato de trabalho do praticante desportivo é regulado pela Lei n.º 54/2017, de 14 de julho. Desta relação laboral, resultam direitos e deveres para ambas as partes.
O artigo 13.º estabelece os deveres a que o praticante desportivo se encontra adstrito. A alínea e) impõe que o praticante desportivo deverá atuar no exercício da sua atividade conforme as regras próprias da disciplina e da ética desportiva.
O uso de doping constitui uma adulteração da realidade, tornando a performance do atleta mais eficaz, não por mérito próprio, mas através do recurso a estas substâncias, violando desta forma as regras da ética desportiva.
Há um incumprimento dos deveres por parte do praticante desportivo, que poderá levar à cessação do contrato de trabalho desportivo nos termos do artigo 23.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 54/2017, de 14 de julho. Ora, o n.º 3 deste artigo estabelece o que se entende por justa causa: o incumprimento contratual grave e culposo que torne praticamente impossível a subsistência da relação laboral desportiva.
O comportamento do atleta desportivo coloca em causa a manutenção da relação laboral desportiva uma vez que é suscetível de conduzir a uma quebra de confiança de tal forma grave que impossibilita que o contrato continue a vigorar.
Tal resulta do facto de que o contrato é assinado entre as partes no pressuposto de que o atleta servirá a sua entidade patronal da melhor forma possível através da sua melhor performance, resultante da capacidade do atleta proveniente do seu treino e esforço.
Quando os resultados obtidos são controlados pelo uso destas substâncias ilícitas adulteradoras da realidade, parece-nos que poderá existir uma desconformidade com o objeto do contrato, afetando de uma forma muito grave a manutenção desta relação laboral.
Para além disso, as funções para as quais o atleta havia sido contratado já não poderão ser exercidas de forma plena, uma vez que o uso destas substâncias é punível disciplinarmente nos termos da Lei n.º 81/2021 de 30 de novembro podendo o atleta ser suspenso, o que impede a sua participação em provas oficiais ao serviço da entidade patronal.
Salvo melhor entendimento, consideramos que a utilização de doping pode constituir um motivo conducente à abertura de processo disciplinar com vista à cessação do contrato de trabalho desportivo, com justa causa.
Gonçalo Rodeia Gomes @ DCM | Littler