O Supremo Tribunal de Justiça debruçou-se, recentemente, sobre a aplicação das regras de um pacto de permanência face a um trabalhador que tinha promovido a cessação do seu contrato de trabalho em incumprimento deste acordo. Nesta instância, uma das principais questões de direito estava relacionada com o facto de o trabalhador recorrente ter alegado que o empregador não tinha feito qualquer prova das despesas avultadas que teria tido com a sua formação. Com efeito, resultava de o pacto de permanência a obrigação para o trabalhador pagar € 65.000,00 se saísse por sua iniciativa da empresa antes dos três posteriores à conclusão de um curso habilitante pilotar helicópteros.
Ora, o pacto de permanência está regulado no art. 137.º do Código do Trabalho e consiste numa exceção à liberdade de trabalho dos trabalhadores. Nesta medida, o legislador permite que os trabalhadores e empregadores possam acordar na celebração de um pacto desta natureza quando haja um investimento avultado na formação do trabalhador. Desta forma, é compreensível que o empregador que investe na formação de um trabalhador com montantes avultados tenha a expectativa de ter como retorno prestação laboral mais qualificada. Neste caso, o investimento era habilitante para a atividade de pilotagem de helicópteros. Se não fosse possível os empregadores celebrarem pactos de permanência, o risco no investimento de formações com custo avultado seria demasiado alto. Assim, esta tipologia de pactos são uma segurança para os empregadores que se limitam a “reclamar” como retorno a realização de prestação laboral por um período até três anos. Apenas desta forma se poderia afastar comportamentos predatórios por parte de empresas terceiras após a realização da formação.
No mencionado acórdão, as partes tinham celebrado um pacto de permanência onde o empregador tinha identificado o custo global de € 65.000,00 de investimento. Na data da cessação do contrato de trabalho, o empregador solicitou o pagamento de um montante parcial que entendeu ainda estar em dívida – faltavam ainda um ano e sete meses para terminar o período acordado. Assim, no decurso do processo o empregador teve de demonstrar a forma como determinou o valor global da formação, tendo justificado com custos diretos e indiretos, tal como deslocações e estadias noutros países. Não obstante, os valores apresentados como custo total eram inferiores àqueles que constavam do pacto de permanência.
Consequentemente, entendeu o Supremo Tribunal de Justiça que “a circunstância da empregadora não ter feito a prova, como aliás lhe competia, dos custos realmente assumidos com a formação em questão nos autos e do seu valor pecuniário parcelar e total não facilita o necessário juízo a fazer pelo julgador acerca da qualificação jurídica das despesas feitas pela empresa demandante com a formação do demandado como sendo elevadas ou avultadas, para efeitos do número 1 do artigo 137.º do Código do Trabalho de 2009”. O Tribunal não pretendeu colocar em causa a natureza avultada da quantia investida pelo empregador. Todavia, entendeu que não é suficiente a mera determinação de um valor pecuniário através da celebração de um pacto com o trabalhador. Em caso de disputa judicial, não estamos perante uma mera análise do incumprimento contratual, uma vez que incumpre ao empregador provar os factos que suportam o valor reclamado judicialmente.
Assim, a decisão do Supremo Tribunal de Justiça foi no sentido de transformar a condenação líquida das instâncias inferiores numa condenação ilíquida. Deste modo, resulta do acórdão que se relegou “para incidente de liquidação a concreta determinação das importâncias gastas com a formação, quer em termos parcelares, como globais, sendo que o limite para as mesmas nunca poderá ultrapassar o valor limite estimado dos 65.00,00 € e a correspondente compensação pela cessação do contrato de trabalho antes dos 3 anos acordados entre as partes não poderá ser superior à quantia de € 34.547,94 + juros de mora”.
Esta decisão realçou a importância da prova do investimento avultado por parte do empregador, sublinhando-se que a sua determinação contratual não é suficiente. Apenas desta forma os tribunais podem realmente avaliar a sua natureza avultada. De qualquer forma, tal condição não afeta a pretensão patrimonial do empregador, uma vez que esta prova pode ser remetida para liquidação. Estamos perante uma decisão equilibrada do Supremo. Reconhecendo-se a aparência do carácter avultado do investimento da formação, a liquidação é um meio processual eficaz para o empregador provar de forma detalhada o seu crédito.
A Equipa DCM | Littler