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BlogIgualdade, Diversidade e Inclusão

“TATOOdo” na Lei?

By 13 Dezembro, 2024Janeiro 7th, 2025No Comments

A questão da aparência no âmbito laboral tem sido alvo de controvérsia durante os últimos anos, com maior acuidade recentemente: serão piercings e tatuagens visíveis ou até mesmo um look mais arrojado um entrave à prestação da atividade laboral? A resposta dos leitores certamente não será unânime, havendo respostas e posições para todos os gostos.

Esta temática, situada entre a estética e a discriminação, parece não ter sido totalmente resolvida pelo nosso legislador. Dispõe o art. 24.º do Código do Trabalho (CT) que:

O trabalhador ou candidato a emprego tem direito a igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção ou carreira profissionais e às condições de trabalho, não podendo ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, de ascendência, idade, sexo, orientação sexual, identidade de género, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical, devendo o Estado promover a igualdade de acesso a tais direitos.

Ainda que seja um artigo abrangente, nada refere quanto à aparência strictu sensu, isto é, a forma como o trabalhador ou candidato a emprego se apresenta (vg. estrutura física, forma de vestir, cor do cabelo, acessórios, arte corporal, etc.).

A tatuagem é uma forma de liberdade de expressão e a Constituição da República Portuguesa (CRP), no seu art. 37.º, traduziz um corolário do livre desenvolvimento da personalidade do indivíduo (art. 26.º, n.º 1, da CRP).

Não obstante a consagração de todas estas garantias legais, na prática, sabemos que no âmbito laboral surgem diversas formas de discriminação de trabalhadores e candidatos a emprego por questões de aparência.

Colocamos a dúvida ao debate: poderá o empregador impor a remoção de tatuagens visíveis de um trabalhador? A questão não é de fácil resposta e depende da circunstância do caso concreto.

Ou seja, se a realização da tatuagem foi prévia à contratação do trabalhador para aquele determinado cargo ou função, cremos não existir legitimidade da parte da empresa para impor a remoção à posteriori, uma vez que no momento da contratação a “condição” já existia e o empregador ao contratar o trabalhador já sabia da existência da tatuagem. Situação diversa é a que acontece quando o trabalhador faça a tatuagem após o início de funções, conhecendo as imposições e/ou proibições que estava sujeito no momento da admissão, e pressupondo que elas existam, caso em que se vê com alguma legitimidade a ação por parte do empregador no sentido de impor que o trabalhador não se apresente perante clientes e parceiros de determinada forma, surgindo alteração das circunstâncias inicialmente verificadas.

Segundo o art. 25.º, n.º 2 CT: Não constitui discriminação o comportamento baseado em factor de discriminação que constitua um requisito justificável e determinante para o exercício da actividade profissional, em virtude da natureza da actividade em causa ou do contexto da sua execução, devendo o objectivo ser legítimo e o requisito proporcional.

Quer isto dizer que a imposição de adoção de determinada conduta ou forma de apresentação ao trabalhador por parte da empresa tem de ser proporcional ao fim que se visa obter, sob pena de se cair na discriminação pela aparência, vedada por lei.

A questão pode tomar outros contornos quando certas profissões imponham, como é exemplo certas forças policiais em que se impõe determinados padrões de apresentação e proíbe expressamente – ainda que por vezes não se respeitem standards de igualdade entre homens e mulheres – o uso de determinados adereços e arte corporal. Veja-se, por exemplo, o Regulamento Geral do Serviço da Guarda Nacional Republicana, que no art. 46.º, proíbe o uso ou de fios, pulseiras, anéis, que possam pôr em causa a discrição própria do atavio militar, nem o uso de brincos (no caso dos homens, permitido para o caso das mulheres), piercings, tatuagens ou outras formas de arte corporal que sejam visíveis.

O desempenho de certas atividades profissionais pode implicar uma restrição à liberdade de expressão do trabalhador e à forma como este se apresenta, podendo ser alvo de sanções disciplinares ou até mesmo o despedimento em caso de inobservância, culposa e consciente, destas imposições.

 

Gonçalo Caro @DCM | Littler