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BlogCódigo do TrabalhoCompensação e Remuneração

Trabalho igual – Salário igual: De que forma?

By 31 Dezembro, 2024No Comments

A legislação laboral não se limita ao Código do Trabalho, tomando um lugar relevante a chamada “Constituição Laboral”. Neste sentido, no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa encontra-se plasmado o princípio para trabalho igual salário igual.

Neste enlace, no pretérito dia 11 de julho de 2024 foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Évora, onde, desde logo, no sumário se refere:

(…) III- Se numa ação judicial uma das questões submetida à apreciação do tribunal, e que, como tal, é objeto de disputa entre as partes processuais, é a de saber se, em concreto, se verifica (ou não) violação do princípio “trabalho igual, salário igual”, não devem constar do elenco dos factos conceitos normativos e juízos valorativos dos quais depende a solução, no plano jurídico, do caso concreto.

IV- Tendo ficado a constar do conjunto dos factos provados que todos os autores produzem trabalho com a mesma dificuldade, penosidade e perigosidade [elementos que consubstanciam o conceito o normativo de “natureza do trabalho prestado”, contemplado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa e no artigo 270.º do Código do Trabalho], a mesma responsabilização, exigência técnica conhecimento capacidade prática, experiência [elementos que consubstanciam o conceito normativo de “qualidade do trabalho prestado” inserido nos artigos anteriormente indicados] e a mesma duração e intensidade [elementos que integram o conceito normativo de “quantidade do trabalho prestado” também inserido nos artigos anteriormente indicados], que os trabalhadores enfermeiros do réu com vínculo de contrato de trabalho em funções públicas e que os enfermeiros identificados nos pontos 20 e 24 que exercem funções ao abrigo de contratos individuais de trabalho, este teor corresponde a conclusões que deveriam ser extraídas de factos materiais. Como tal, a Relação deve pronunciar-se pela deficiência da decisão da matéria de facto, por excesso, e considerar tais conclusões como não escritas, ao abrigo da alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC. (…) VI- Do princípio constitucional “trabalho igual, salário igual” não decorre necessariamente que trabalhadores da mesma categoria e que trabalhem para a mesmo empregador têm de auferir um igual salário. É necessário que se prove que a diferenciação remuneratória é injustificada, em virtude do trabalho do trabalhador discriminado ser igual ao do(s) colegas(s) quanto à natureza, quantidade e qualidade.

 

Neste sentido, a relação entre as condições de trabalho, com ênfase as remuneratórias, deve ser considerada sob três aspetos: natureza, qualidade e quantidade. O artigo 25.º do Código do Trabalho quando dispõe sobre a proibição de discriminação, dita também que, a quem alega a discriminação, cabe o ónus de indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação.

 

O acórdão refere, no mesmo sentido, que alegando a discriminação competia aos autores (quem faz o pedido) ter apresentado factos concretos, indicando, pelo menos, um específico colega com quem se comparassem, referindo, nomeadamente, (i) as funções concretas que ambos realizavam, (ii) os horários que praticavam, (iii) a unidade hospitalar em que trabalhavam, (iv) a antiguidade de cada um, (v) a posição na hierarquia que ocupavam, (vi) as concretas responsabilidade exercidas, (vii) as habilitações de cada um, (viii) as remunerações auferidas ou outros aspetos materiais concretos que se mostrassem relevantes.

 

De forma sucinta, no acórdão estaria em causa pedido de alegada violação do princípio constitucional “trabalho igual, salário igual” por referência a colegas enfermeiros com vínculo de trabalho em funções públicas em face de enfermeiro com “contrato individual de trabalho”. Assim, ao nível remuneratório, dita o acórdão que o que o princípio constitucional obriga é que no caso de existirem dois ou mais trabalhadores que exerçam o seu trabalho em idêntica quantidade, natureza e qualidade, a contrapartida monetária para a atividade exercida tem de ser igual. No caso concreto, os autores/enfermeiros não lograram provar que as suas condições de trabalho eram idênticas/iguais às de colegas com vínculos diferentes (contratos individuais de trabalho versus contrato de trabalho em funções públicas).

Nesse sentido, concluiu o acórdão que a mera diferença salarial não é, por si só, suficiente para evidenciar discriminação, sendo necessária a comprovação de que o respetivo trabalho era igual quanto à natureza (dificuldade, penosidade e perigosidade), qualidade (responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência, etc.) e quantidade (duração e intensidade).

Assim, decidiu o Acórdão pela revogação da decisão recorrida na parte que declarou que os autores foram discriminados do ponto de vista salarial e na parte em que, consequentemente, lhes reconheceu o direito à alteração do seu posicionamento remuneratório.

Em síntese e conclusão, destacamos três pontos (i) não basta a mera alegação de discriminação; (ii) deve ser identificado o/a trabalhador/trabalhadora ou trabalhadores/trabalhadoras em relação a quem se considera discriminado(a); (iii) do mencionado princípio trabalho igual salário igual não decorre necessariamente que trabalhadores da mesma categoria e que trabalhem para o mesmo empregador têm de auferir um igual salário, deve ser comparado quanto à natureza, quantidade e qualidade.

Continuaremos atentos e a refletir sobre temas com relevância e reflexos laborais.

Ana Amaro @ DCM | Littler