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Um despedimento à confiança

A confiança é um dos pontos-chave que mantém vivas e saudáveis as relações pessoais e, também, as relações profissionais, revelando-se como um suporte psicológico na qual a relação de trabalho deve assentar para subsistir. Pelo que não é surpreendente a sua invocação em sede de despedimento com justa causa.

As infrações disciplinares podem dar lugar à aplicação de alguma das seguintes sanções legalmente previstas: (i) repreensão; (ii) repreensão registada; (iii) sanção pecuniária; (iv) perda de dias de férias; (v) suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade; (vi) despedimento sem indemnização ou compensação. No entanto, a escolha da sanção pelo empregador deve ser proporcional à gravidade da infração cometida e à culpabilidade do infrator.

Quando a perda de confiança justifica o despedimento?

A noção de justa causa de despedimento, consagrada no artigo 351.º, do Código de Trabalho (CT), pressupõe um comportamento culposo do trabalhador, violador de deveres estruturantes da relação de trabalho, que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral, existindo uma quebra da confiança.

O despedimento, enquanto sanção, é a última ratio das sanções disciplinares. Reserva-se aos comportamentos culposos e graves do trabalhador subordinado, violadores de deveres estruturantes da relação, que reclamem um forte juízo de censura. Esse cenário é ainda mais claro quando a relação de confiança que assenta o vínculo é fatalmente atingida, tornando inexigível ao empregador a manutenção do contrato.

A impossibilidade prática da subsistência da relação juslaboral é um conceito normativo-objetivo que se aplica quando um comportamento que atinge, de modo irreparável, o suporte psicológico da relação de trabalho, a confiança, o dever de lealdade, na sua faceta subjetiva. Isso cria, irreversivelmente, a dúvida, no espírito do empregador, sobre a idoneidade da conduta futura do trabalhador.

Em acórdão recente, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) foi chamado a apreciar a regularidade do despedimento com justa causa de uma trabalhadora no qual lhe eram imputados factos pela entidade empregadora violadores de deveres laborais, que impunha a aplicação da sanção disciplinar máxima de despedimento.

A trabalhadora vinha acusada, por parte da entidade empregadora, de várias desobediências, contudo considerou o Supremo Tribunal, ao analisar a matéria, que dificilmente tais comportamentos se poderiam considerar infrações disciplinares que levassem a uma justa causa de despedimento.

A súmula do referido acórdão é bastante evidente: O entendimento de que o nosso ordenamento jurídico não conhece um despedimento disciplinar fundado na mera perda da confiança, desacompanhada de um qualquer comportamento grave por parte do trabalhador, isto é, de uma infração disciplinar grave.

É verdade que a jurisprudência pátria tem atribuído relevância à perda de confiança do empregador, mas apenas quando esta resulte da violação comprovada de deveres de honestidade ou probidade pelo trabalhador (por exemplo, quando o trabalhador se apoderara intencionalmente de uma quantia em dinheiro ou outros objetos). Por este motivo, encontra-se preenchida a previsão normativa do art. 351.º, do CT.

A conduta do trabalhador, ainda que revista gravidade, se não afetar de forma irremediável a confiança que o empregador nele depositava, não integra justa causa de despedimento e como tal, é ilícito o despedimento com esse fundamento – cfr. artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e artigo 338.º, do CT.

Gonçalo Caro – DCM | Littler

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