A saga continua[1] quanto à pergunta sobre se é possível ou não converter contratos a termo na função pública e desta vez foi o Tribunal de Justiça da União Europeia (doravante “TJUE”) a pronunciar-se sobre dois casos, cujos processos se apensaram.
Ambas as trabalhadoras em causa foram contratadas através de um vínculo a termo para exercício de funções públicas, com respeito pelo artigo 103.º, n.º 3 da Constituição Espanhola, nomeadamente, pelos princípios do mérito e da capacidade. Desde essa data, e de maneira muito parecida ao acórdão analisado no artigo anteriormente referenciado, as trabalhadoras foram sujeitas a décadas de renovações sucessivas dos seus contratos até que, para seu espanto, as entidades empregadoras procederam à emissão de um concurso público para o posto de trabalho em causa.
Como tal as demandantes bem afirmam, “responderam a necessidades que não são provisórias, urgentes e excecionais, mas comuns, duradouras e permanentes.”
Analisemos as principais questões prejudiciais colocadas:
- O artigo 5.° do Acordo‑Quadro deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional segundo a qual o recurso a sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo no setor público se torna abusivo?
Como tem sido entendido, o Acordo-Quadro tem por objetivo evitar os abusos decorrentes da utilização de contratos a termo de forma sucessiva, pela precariedade deste tipo de vínculo.
Ora, o artigo 5.º deste diploma prevê algumas medidas para evitar estes mesmos abusos, como tal enunciadas não taxativamente nas alíneas: a) Razões objetivas que justifiquem a renovação dos supramencionados contratos ou relações laborais; b) Duração máxima total dos sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo; c) Número máximo de renovações dos contratos ou relações laborais a termo. Mais, sempre que tal seja necessário, deverão definir algumas condições quanto aos contratos a termo, como seja o caso de serem considerados como celebrados sem termo.
Mas o raciocínio não poderia ficar por aqui, porquanto o Acordo‑Quadro impõe aos Estados‑Membros a adoção efetiva e obrigatória de, pelo menos, uma das medidas que enumera, se os respetivos direitos internos não previrem medidas legais equivalentes. Isto porque, no limite, apenas é necessário o cumprimento do objetivo geral de prevenção do uso abusivo deste tipo de contratos, onde, contrariamente ao Regulamento, é deixada na disponibilidade dos Estados Membros os meios necessários para o alcançar.
Como confirmado pelo TJUE, a renovação de contratos e de relações laborais a termo para satisfazer necessidades que, de facto, não são provisórias, mas sim permanentes e duradouras, não é justificada conforme o artigo 5.º, n.º 1, alínea a), do Acordo-Quadro. Essa prática contraria diretamente a premissa fundamental do Acordo-Quadro, que estabelece que os contratos de trabalho sem termo devem ser a forma comum das relações de trabalho, mesmo que os contratos a termo possam ser característicos de certos setores ou para determinadas ocupações e atividades.
- Os artigos 4.° e 5.° do Acordo‑Quadro devem ser interpretados no sentido de que, perante a inexistência de medidas adequadas no direito nacional para prevenir os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho, os mesmos devem ser convertidos em contratos ou relações laborais por tempo indeterminado, ainda que essa conversão seja contrária à legislação e à jurisprudência nacionais?
Vejamos.
Responde o Tribunal que ainda que o artigo 5.° do Acordo‑Quadro não estabeleça a obrigatoriedade de conversão destes contratos, caso uma determinada legislação nacional proíba que tal situação ocorra, o ordenamento jurídico em causa deve prever, neste setor, outra medida efetiva para evitar e, sendo caso disso, punir a utilização abusiva de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo.
Esta consideração surge pela necessidade de interpretação conforme segundo o qual, os tribunais nacionais devem interpretar a lei nacional de transposição de uma diretiva à luz do seu texto e finalidade, respeitando os limites dos princípios gerais de direito interno.
Ora, o Tribunal considerou que no caso em apreço, se o órgão jurisdicional de reenvio considera que a conversão dos sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo constituiu uma medida sancionatória, em conformidade com o artigo 5.° do Acordo‑Quadro, esta medida sancionatória não implica uma interpretação contra legem do direito nacional e, por isso, admissível.
Sobre esta situação, ficaremos atentos a possíveis alterações da parte dos legisladores dos Estados Membros, e principalmente do português.
Maria Beatriz Silva e Ana Amaro @ DCM | Littler
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[1] Vide, É possível converter os contratos de trabalho a termo na função pública?