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Poderá a entidade empregadora ter acesso à informação genética do candidato ao emprego?

By 24 Junho, 2024No Comments

Não desfazendo que a genética interpela o Direito nos mais variados domínios, uma das questões que se impõe em sede jus-laboral é a da (in)admissibilidade do acesso à informação genética do candidato ao emprego, por parte da putativa entidade patronal.

A delicadeza da situação é grande e convoca um amplo espaço de juridicidade e complexidade prática porquanto coloca em rota de colisão vários direitos fundamentais: por um lado, os direitos do candidato a emprego, nomeadamente o direito à dignidade, à integridade física e moral, o direito à reserva da intimidade da sua vida privada e à não discriminação, por outro lado, o direito da entidade empregadora à livre iniciativa económica privada e à liberdade de empresa.

Assim, na impossibilidade de desenvolvermos a temática nos contornos que a mesma impunha, colocaremos a tónica no que se entende por informação genética, em qual o interesse que a entidade empregadora poderá ter no acesso à mesma, e destacaremos, por fim, algumas disposições normativas relevantes.

Nótulas sobre Informação Genética

Nas palavras de CARLA BARBOSA, a informação genética possui particularidades que imprimem uma certa singularidade em relação à restante informação de saúde.

Em traços gerais, podemos afirmar que se diferencia, designadamente, pelo seu caráter preditivo, pelo que ao analisarmos a informação genética de um indivíduo, inclusive saudável, encontraremos alterações genómicas que evidenciam um maior ou menor risco, presente ou futuro, de desenvolver determinadas patologias.  Ademais, é permanente, na medida em que o património genético tenderá a manter-se inalterável (salvo no caso de ocorrerem mutações genéticas espontâneas ou provocadas, isto é, pela ação de agentes exógenos ou por engenharia genética, respetivamente). Destaca-se, igualmente, o seu caráter hereditário, havendo uma elevada probabilidade de certas patologias encontradas na análise do genoma de um indivíduo serem comuns aos seus familiares consanguíneos.

Os testes genéticos são uma ferramenta sem par para o acesso a esta peculiar informação, providenciando variadíssimos fins e resultados. Não obstante, não esgotam os únicos meios para tal, porquanto, a simples recolha de antecedentes familiares, em certos casos, poderá levar à obtenção da mesma informação, exigindo, assim, o mesmo tipo de reflexão.

A Relevância da Informação Genética para o Empregador

À semelhança do que referimos em artigo anterior, a celebração de um contrato de trabalho representa para o empregador a assunção de um elevado risco. O princípio da estabilidade do vínculo laboral (artigo 53.º da CRP) tem reflexo num conjunto de medidas implementadas pelo legislador que minoram a precariedade laboral, a que acresce o facto do empregador poder ser responsabilizado contratual (artigo 800.º do CC) ou extracontratualmente (artigo 500.º do CC) por um ato do trabalhador.

Por ser assim, na fase pré-contratual, aquando da seleção do candidato a trabalhador, o empregador irá procurar contratar com aquele que manifeste melhores competências para o cargo em questão, mas esta opção poderá não se esgotar no preenchimento daquele requisito.

Ademais, é razoável que, por motivos de gestão de recursos financeiros, pelo risco que assume de perturbação dos seus interesses económicos, o empregador queira dirigir os encargos de treino e formação profissional a trabalhadores que, provavelmente, terão um vida ativa e produtividade normais, não àqueles em relação aos quais se pode prever uma incapacidade precoce e consequente quebra de produtividade por absentismo.

Assim, aquando da contratação, o empregador terá interesse em contratar aqueles que têm menos probabilidade de vir a padecer de alguma enfermidade, alcançado assim, a maximização do lucro e consequente satisfação dos interesses subjacentes à unidade produtiva.

Ora, é precisamente neste âmbito que o acesso à informação genética do trabalhador poderá consubstanciar uma ferramenta aliciante para o empregador.

Não se pode olvidar, contudo, que, na fase de seleção, outras razões possam motivar tal conhecimento. Assim, poderá estar em causa uma genuína preocupação com a proteção da saúde do candidato ao emprego ou com terceiros.

Relativamente ao candidato, esta questão coloca-se pelo facto de poder ser conveniente a este, não desenvolver uma atividade profissional naquele concreto ambiente ou utilizando certas matérias-primas que poderão afetar a sua saúde. Pensemos naqueles casos em que o indivíduo contém uma predisposição genética para o desenvolvimento de certas doenças, que poderão ser agravadas em virtude de condições específicas da sua atividade profissional.

No que se refere ao acesso à informação com a finalidade de proteger terceiros, considere-se o interesse em prevenir situações suscetíveis de causar acidentes de trabalho, decorrentes do estado de saúde do trabalhador.

Do exposto resulta a possibilidade de surgimento de situações de discriminação genética, traduzindo-se esta na utilização pela entidade empregadora de informação genética do candidato ao emprego para aceitar ou recusar eventuais contratações. A qual, digamos, é já uma dura realidade.

Breve Enquadramento Normativo

O princípio da igualdade é um princípio estruturante do nosso sistema jurídico, sendo elevado à categoria de princípio constitucional (cf. artigo 13.º, n.º 2, da CRP).

No plano infraconstitucional, este encontra reforço no Código do Trabalho, que consagra uma proibição de discriminação em razão do seu património genético (cf. artigos 24.º e 25.º, do CT).

No mesmo sentido aponta o artigo 13.º da Lei n.º 12/2005, de 26 de janeiro.

Com efeito, se dúvidas houvesse quanto à (in)admissibilidade por falta de regulamentação especial, as mesmas ficaram dissipadas com a Lei n.º 12/2005 de 26 de janeiro, cujo artigo 13.º, n.º 1, estatui que: “a contratação de novos trabalhadores não pode depender de seleção assente no pedido, realização ou resultados prévios de testes genéticos”.

No que concerne aos restantes números do artigo 13.º, o legislador, no n.º 3, abre a porta à admissibilidade da utilização da informação genética, mas será o preceito aplicável à fase de seleção? Este estabelece que poderá realizar-se testes genéticos, na hipótese do ambiente de trabalho colocar riscos específicos para um trabalhador com uma dada doença ou suscetibilidade, ou afetar a sua capacidade de desempenhar com segurança uma dada tarefa, se verificados os seguintes requisitos: i) a informação genética relevante seja usada para benefício do trabalhador e nunca em seu prejuízo, não podendo a sua situação laboral ficar comprometida; ii) esteja em vista a proteção da saúde da pessoa, a sua segurança e a dos restantes trabalhadores, iii) consentimento informado  iv)  aconselhamento genético apropriado v) os resultados sejam entregues exclusivamente ao próprio. O teor literal do artigo leva-nos a crer que a resposta à questão que colocámos é negativa. De facto, o legislador refere-se a “trabalhador” e, uma vez que no n.º 1 teve a astúcia de referir “candidato”, entendemos que teria adotado a mesma terminologia se fosse essa a sua intenção. Ademais, ao referir “situação laboral posta em causa” parece estar a remeter para o domínio de uma relação laboral já constituída.

Por sua vez, o n.º 4 estipula uma exceção ao princípio proibitivo anteriormente referido, quando em causa estejam “situações particulares que impliquem riscos graves para a segurança ou a saúde pública”. Nesse caso, impõe-se ainda, que os testes genéticos sejam “dirigidos a riscos muito graves e se relevantes para a saúde atual do trabalhador” (n.º 5).

Esta exigência de contemporaneidade reporta-nos para o âmbito dos testes de diagnóstico. Parecendo-nos, assim, que a lei impõe a ilicitude da realização de quaisquer testes genéticos preditivos na fase de formação do contrato de trabalho.

Assim, podemos afirmar que a fim de se evitar condutas discriminatórias, a referida lei estabeleceu um princípio proibitivo do acesso à informação genética na fase de formação do contrato, só devendo, no entanto, ser excecionalmente admitida a realização de testes genéticos em contexto laboral quando tal ponha em causa a vida, integridade e/ou saúde do trabalhador – solução que não é isenta de críticas – ou de terceiros.

Atendendo aos impressionantes progressos que se têm verificado na área da biotecnologia, à consciência que a sociedade está a ganhar nestas matérias, ao aperfeiçoamento e acessibilidade dos testes genéticos, cada vez mais rápidos, económicos e difundidos, podemos prever que, nos próximos anos, esta questão só tenha tendência para ser mais debatida, inclusive, quiçá, pelos tribunais portugueses.

Estaremos atentos.

 

Rute Gonçalves Janeiro @ DCM | Littler