Desta feita não nos debruçaremos sobre os famosos despedimentos em live (https://direitocriativo.com/um-despedimento-anunciado-nas-redes-sociais/), mas sobre a história de um despedimento contado na primeira pessoa que se tornou viral numa famosa rede social.
O vídeo foi publicado por uma utilizadora da rede social, que num vídeo publicado nas suas redes sociais, no passado dia 05 de agosto, explicou que, após dois anos e meio sem ter visto qualquer aumento remuneratório, decidiu pedir um aumento salarial e acabou por ser despedida. Segundo informação disponível (consultar), tratava-se de uma programadora que ao ser despedida e por, alegadamente, se sentir injustiçada, decidiu apagar toda a base de dados da empresa, em forma de retaliação, deixando alegadamente a nota de que “se o meu trabalho não é importante, já vão perceber o quanto custa digitalizar e tornar tudo automático”.
Transpondo o caso, com os dados de que dispomos, mutatis mutandi, para o ordenamento jurídico português, o que há a salientar?
Em primeiro lugar, é ilícito o despedimento sem justa causa (artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa e artigo 338.º do Código do Trabalho, doravante CT), nomeadamente no que toca a despedimentos discricionários, arbitrários ou sem razão adequada. Face a ausência de outras informações, “o pedido de um aumento salarial” parece estar desprovido de qualquer razão válida ou minimamente suficiente para justificar um despedimento lícito.
Nesta sequência, durante a execução do contrato de trabalho, o trabalhador está obrigado, designadamente a realizar o trabalho com zelo e diligência, guardar lealdade ao empregador nomeadamente não divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção e negócios e velar pela conservação e boa utilização dos meios confiados pelo empregador (artigo 128.º, n.º 1, alíneas c), f), g), do CT) , entre outros.
Quanto a uma possível titularidade das atividades não criativas ou inovadoras, a regra geral é a de que, no silêncio das partes, o resultado da atividade do trabalhador pertence ao empregador. Neste sentido, a atuação da trabalhadora para além de violar o dever de boa-fé e lealdade que se estende ao contrato (e perdura para além da cessação do vínculo laboral), viola também o direito de propriedade do empregador, uma vez que o trabalho desenvolvido no âmbito do contrato de trabalho pertence, salvo estipulação em contrário, ao empregador.
Neste enlace, até porque o trabalhador tem o dever de devolver ao empregador os instrumentos de trabalho que lhe tenham sido fornecidos para a prestação de trabalho, bem como quaisquer outros objetos pertencentes ao empregador (artigo 342.º do CT), e, na ausência de previsão expressa, sempre decorreria do princípio geral da boa-fé no cumprimento dos contratos (artigo 762.º, n.º 2 do Código Civil) e do regime geral do direito de propriedade.
Em face do supra exposto, finda a relação contratual, mantêm-se diversos deveres para com o empregador (com maior ou menor intensidade em função do caso concreto), mas inegavelmente a boa-fé e a lealdade.
Na mesma linha, a divulgação do sucedido pela rede social (disponível online) pode, ainda, configurar um ato ilícito que ofende vários bem jurídicos, nomeadamente a imagem da empregadora e/ou outros direitos ou interesses legítimos do empregador, na medida em que expõem publicamente a fragilidade da empresa (por se encontrar sem base de dados), potenciando possíveis vantagens económicas da concorrência ou inclusive prejudicando a confiança dos clientes, fornecedores ou terceiros.
Diz-se: a vingança serve-se fria , mas de cabeça quente, parece que foi pior a emenda que o soneto. Este é um caso interessante que convoca diferentes temáticas do direito do trabalho e interliga-se com propriedade intelectual e responsabilidade civil.
Ficaremos atentos a novos desenvolvimentos.
Ana Amaro e João Silva Ribeiro @ DCM | Littler